O povo russo e a guerra

Por Francisca Pereira

Mais de um ano passou desde a invasão da Ucrânia pela Rússia com início em 24 de fevereiro de 2022 e estima-se que já centenas de milhares de russos tenham deixado a Rússia devido à crescente instabilidade. Aqui faço um apanhado do impacto da guerra sobre o povo russo e as suas consequências.               

Na Rússia existe uma sociedade “paternalista” onde se observa nepotismo, corrupção e um fraco Estado de Direito. Os atores políticos não se tratam de instituições, mas sim de redes de conhecimentos que são reguladas por uma troca pessoal de recompensas e punições. Os russos, no geral, estão normalmente desligados da política e duvidam das próprias capacidades de entendê-la.

Não é fácil dizer se o povo russo é a favor da guerra ou se acredita na propaganda disseminada pelo Kremlin porque as sondagens levadas a cabo na Rússia estão possivelmente enviesadas. Mas nem toda a sociedade, com diferentes grupos etários e de diferentes regiões, será afetada da mesma forma pela propaganda. A população mais idosa e, principalmente, a que vive em áreas menos urbanizadas, recebe a maior parte da informação via televisão, cujo conteúdo é praticamente todo controlado pelo Estado. Mas a propaganda também é transmitida através das redes sociais e instituições de educação. E mesmo os que têm acesso a fontes alternativas de informação podem ter dificuldade em acreditar nelas uma vez que foram expostos a propaganda através de diferentes meios e as explicações alternativas não coincidem com o que já acham que sabem.

Ao contrário das previsões de muitos especialistas, as sanções impostas à Rússia não levaram a um colapso económico. Segundo sondagens realizadas no último outono, muitos russos até acreditavam que estavam melhores economicamente do que antes do início da guerra. A economia contraiu 2.1% em 2022, menos do que o esperado e o Fundo Monetário Internacional espera um crescimento positivo de 0.3% para o ano de 2023.

A verdade é que a economia russa já estava preparada para as sanções antes do conflito se iniciar e o banco central russo conseguiu estabilizar o rublo no primeiro ano de guerra. Ao mesmo tempo, os laços comerciais com países como a Índia, a China e a Turquia permitiram o restabelecimento do fluxo de bens e commodities. Mas a principal razão para a resistência às sanções prende-se com o facto de a Rússia poder vender derivados de petróleo, que já antes da guerra eram a principal fonte de rendimento.

No entanto, quando dois países entram em guerra é expectável que os nacionais fiquem mais afetuosos e satisfeitos com o respetivo Estado, o que explica o elevado nível de otimismo apesar das sanções. Há também que considerar a possibilidade de as pessoas que respondem às sondagens não serem honestas devido ao medo que sentem das punições à crítica pública, e dado que dezenas de milhares já foram presas por protestarem contra a guerra. Ademais, o Kremlin cessou de facultar o acesso público a dados de teor económico. 

Porém segundo Vladimir Milov, ex-líder da oposição e agora exilado, as sanções estão de facto a funcionar, embora haja propaganda dirigida ao ocidente para esconder o efeito das mesmas. O rublo só se teria mantido estável devido à dificuldade para empresas e indivíduos de levantar dinheiro e convertê-lo para moeda estrangeira. As receitas das indústrias, excluindo as de petróleo e gás, tinham descido 20% em outubro de 2022 comparando com o ano anterior e nessa altura 68% de russos tinham notado uma redução na oferta de produtos nas lojas.

Em menos de uma semana após o início da invasão, muitos países ocidentais já tinham fechado o seu espaço aéreo à Rússia e esta tinha banido os voos provindos de 36 países. Estas medidas tiveram impacto significativo no povo russo e especialmente para os que viajavam entre o exclave de Kaliningrado e a Rússia continental, cujo voo mais direto passava pelo espaço aéreo lituano.

Depois do começo da guerra muitas companhias expressaram a intenção de se retirarem do mercado russo, no entanto poucas cumpriram essa promessa. Algumas venderam lojas e fábricas e os mesmos produtos continuaram a ser comercializados com um nome diferente, como é o caso da McDonald’s, que passou a chamar-se “Vkusno i tochka” (Saboroso e basta).

Os russos que emigram fazem-no principalmente por três razões: a oposição ao regime autoritário, os interesses económicos ou o facto de os homens serem chamados a combater na guerra. Estima-se que, em dezembro, 10% dos trabalhadores de tecnologias de informação tenham abandonado o país, pois estavam em vias de perder clientes.

Mais de meio milhão emigrou desde o início da invasão e aumentam em número as comunidades de expatriados russos ao redor do globo.

Os destinos são variados. A Geórgia, Arménia e o Cazaquistão são escolhas próximas e que não requerem visto de entrada para os russos. Alguns emigram para a Finlândia, estados bálticos ou outros países da europa. Fora da europa, os Emirados Árabes Unidos, Israel, Tailândia e Argentina constituem os destinos mais escolhidos.

Quando um fluxo de pessoas começa a deixar o país, mais pessoas sabem como tratar do processo de saída e isso leva ainda mais a um aumento desse fluxo. E é de salientar que, à medida que o tempo passa, estes expatriados vão-se habituando ao país para onde emigraram e que, quanto mais tempo a guerra durar, menos pessoas regressarão à Rússia.

No que toca às baixas por conta da guerra, um relatório do último mês estima que entre 20,000 e 25,000 russos tenham sido feridos ou perdido a vida. Fatores como a mortalidade devido ao covid e a emigração tornam o decrescimento da população russa nos últimos 2 anos bastante acentuada.

Em jeito de conclusão, o futuro do povo russo estima-se instável e condicionado pela duração incerta do conflito atual. A falta e dificuldade de acesso a dados fidedignos dificulta a perceção de alguns fenómenos que afetam a população; e, por fim, a forte onda de emigração das camadas da população que estão possibilitadas de o fazer será a longo prazo um ponto negativo para a sociedade e economia.

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