Declínio da Democracia no Mundo

A emergência de inúmeros líderes e grupos populistas tem comprometido a democracia ao redor do globo, através da sua veemente rejeição do pluralismo e oposição a limitações ao poder – veiculando, assim, os seus interesses individuais, geralmente à custa de minorias.

Afinal, o que é, verdadeiramente, a democracia? Num sentido etimológico, analisando a sua proveniência do termo grego dēmokratia, traduz-se na governação pelo povo. Inicialmente correspondente a sistemas políticos existentes no séc. V a.C., em cidades-Estado gregas (especialmente Atenas), o termo “democracia” tem evoluído com o decorrer da História, transformando-se e adaptando-se – porém mantendo, essencialmente, o mesmo significado: a forma de governo que implica o controlo da população pela maioria dos seus membros, em que o povo tem a autoridade de deliberação e formulação de legislação.

Esta transição do sistema internacional, numa direção antidemocrática, tem-se intensificado com o alastramento de ataques a instituições democráticas, principalmente nas regiões da Europa e Eurásia, traduzindo-se num verdadeiro desafio à democracia.

Entremos, então, no fenómeno que tem vindo a ser chamado de democratic backsliding (ou, simplificando, autocratização). Apesar da democracia continuar a ser a forma de governo mais popular ao redor do mundo, com 98 de entre 165 países analisados respeitando este modelo de governação, variados fatores têm entrado em jogo para contribuir para um progressivo e indubitável retrocesso em direção a regimes autocráticos. Entre estes, inclui-se a falta de apoio público à democracia, desigualdades
económicas e tensões sociais, políticas populistas e influência externa de políticas de poder – as chamadas Machtpolitik.

Apesar das mudanças de regime através de golpes de estado terem diminuído drasticamente desde o final da Guerra Fria, o democratic backsliding tem vindo a crescer de formas mais subtis, muitas delas ocorrentes em democracias de fraca institucionalização (que terão surgido durante a terceira onda de democratização, em finais do século XX), democracias recentes e vulneráveis a instabilidades. Qualquer ameaça às instituições políticas que servem de base à democracia, desde a afetação da transição pacífica de poder ou do direito ao voto até questões mais “indiretas”, que acabam por ter um efeito dominó – a violação de direitos individuais e as ameaças à liberdade de expressão –, deterioram a eficiência
e sustentabilidade de regimes democráticos com o decorrer do tempo. Todas estas instabilidades impõem um risco acentuado em situações de crises nacionais, o que poderá ser ilustrado com um exemplo extremamente recente vivenciado em alguns países: durante um declarado estado de emergência, a imposição de regras e limitações autocráticas desproporcionais à severidade da crise, ou que se mantenham apesar de melhoria da situação de risco, correspondem a uma decadência da prevalência da democracia no sistema internacional.

O caso da pandemia de Covid-19 não foi exceção, tendo sido registadas bastantes violações de normas internacionais – de forma grave em 9 democracias e de forma moderada em 23. Longe de surpreendentemente, 55 regimes autocráticos implementaram violações graves ou moderadas de normas internacionais. O maior exemplo prende-se nas medidas de contenção (controlo direto de circulação na via pública) e na limitação de liberdade dos media, este último como forma de ocultar falhas de resposta e atuação dos países em questão no panorama da saúde pública.

O perigo do declínio da democracia poderá estar na sua evolução silenciosa, sendo relativamente difícil apontar o momento exato em que um governo passa a ser verdadeiramente autocrático, já que este é um processo lento e progressivo, sendo maioritariamente utilizadas “mecanismos aparentemente legalmente legítimos para fins antidemocráticos (…), ocultando práticas antidemocráticas atrás da máscara da lei”.

Países em processo de autocratização (vermelho) ou em processo de democratização (azul), de
forma substancial e significativa (2010-2020); segundo V-Dem Institute.


Apesar do mundo continuar mais democrático do que no período de 1970 a 1990, o declínio global na democracia liberal é indubitável e tem sido íngreme na última década, sendo o nível de democracia vivido em média comparável a níveis presenciados pouco após 1990.

Não obstante este declínio abrupto da democracia – que exige, sem dúvida, a reformulação de inúmeros contratos sociais de forma a adaptá-los às constantes mudanças do panorama internacional, mantendo sempre o respeito pelos direitos civis e políticos dos indivíduos – o futuro poderá ser promissor, com o surgimento já evidente de vários movimentos de renegociação de contratos sociais por parte de governos e povos (tomemos como exemplo o Sri Lanka, que foi palco de revoltas contra o governo
Rajapaksa, resultantes na eliminação de algumas discrepâncias étnicas e sociopolíticas).

Webgrafia:
Democracy Tracker
Freedom House
V-dem

Faça o primeiro comentário a "Declínio da Democracia no Mundo"

Comentar

O seu endereço de email não será publicado.


*