Cravos de abril

Por Beatriz Martins

           Desde há 48 anos que abril tem um significado diferente para as gentes cá do canto ocidental. 48 anos de 25 de abril é igual a 48 anos de democracia. Este ano com um sentimento especial por sabermos que a 24 de março de 2022, curiosamente quase 1 mês antes da celebração daquele que é O feriado nacional, o tempo da democracia ultrapassou oficialmente o número de dias que as gerações passadas viveram em repressão.

            Continua a ser inacreditável o facto de num país tão pequenino à beira-mar plantado, ter-se conseguido realizar uma revolução sem sequer derramar uma gota de sangue. Se temos a liberdade que temos hoje e a identidade nacional que nos caracteriza, devemos a tantos outros que, na madrugada de 25 abril de 1974 disseram basta e nos deram as tão esperadas liberdades.

            Se compararmos este quase meio século de democracia com o quase meio século de ditadura, é notável a evolução que existiu. Todavia, com o passar dos anos, é inevitável não destacarmos a falta de reconhecimento que existe. É por sabermos o que aconteceu, que não podemos esquecer o passado, seja ele bom ou mau, pois ele não vai desaparecer. Ao ignorarmos estamos a dar espaço para que pessoas com ideologias passadas, que podem ter sido poderosas, mas que se revelaram falhadas, surjam à nossa volta deitando “para a rua” aquilo que se foi conseguindo.

            É certo que numa democracia somos todos livres para fazermos as nossas escolhas, mas a ameaça da história cíclica está cada vez mais presente no nosso dia-a-dia. Os números de abstenção com que somos surpreendidos cada vez que há eleições são inacreditáveis, mostrando o claro desinteresse político que caracteriza o nosso país.

            Se há 48 anos o debate político se encontrava bastante aceso, entre os principais partidos de esquerda e de direita, envolvendo grande parte da população, hoje em dia isso não se verifica. PS e PSD continuam a ser os “grandes” dentro do sistema político português, já o CDS tem vindo a perder a sua importância política, tendo mesmo perdido o seu assento parlamentar nas legislativas de 2022. Não obstante, partidos como o Chega, que ameaçam tudo o que fomos construindo e conquistando, têm ganho o seu espaço dentro da sociedade política, aumentando os seus assentos parlamentares de legislativa para legislativa.

            A falta de interesse político entre as gerações mais jovens é algo que se pode tornar catastrófico. O esquecimento do passado e de todas as torturas que os nossos avós presenciaram dão espaço para o crescimento de um sentimento de revolta para com o sistema atual, que bem sabemos não ser perfeito. Não devemos esquecer aqueles que deram a cara pela Revolução, como o Capitão Salgueiro Maia e até mesmo Otelo Saraiva de Carvalho, que mesmo tendo cometido os seus erros é a ele que devemos a vitória do grande dia.

            Incrível é saber que um grupo de homens conseguiu vencer um regime de quase 50 anos. Incrível é saber que hoje escrevo sem que um lápis azul risque aquela frase que não deve “sair para a rua” e que se tenho as liberdades e regalias que tenho a eles lhes devo.

            Desde 2020 que temos um 25 de abril diferente, mas não deixemos que isso nos tire o seu gosto especial. É a curiosidade, a memória, as celebrações, as conversas constantes sobre a data que não nos deixam apagar o trabalho de grandes corajosos que não esperavam mais que uma vitória, ou não fossem essas as suas senhas.

“-Coragem

-Pela Vitória”

Era abril de 1974, a revolução estava em marcha, e confirmamos que a coragem levou à vitória.

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