No presente artigo, irá proceder-se a uma exploração sobre o tema da prostituição e o tráfico humano, práticas que já não deveriam ter lugar na sociedade contemporânea, mas que ainda persistem na mesma, com especial enfoque na posição que grupos sociais como mulheres e crianças ocupam na hierarquia social, recorrendo-se a uma análise no âmbito das relações internacionais e na evolução dos direitos humanos, em contexto de pandemia.
A prostituição e tráfico humano são práticas que se interligam devido ao aspeto anti-humanitário que tomam, ignorando os direitos inerentes à condição humana, estabelecendo aqui uma espécie de anarquia social e território desconhecido, onde se torna difícil de encontrar um meio de ação eficiente, de modo a colocar um fim a estas práticas abusivas, uma vez que as mesmas encontram ainda uma grande expressão a nível internacional, o que torna a sua monitorização cada vez mais exigente.
Seguindo a continuidade do percurso histórico destas atividades condenáveis, conseguimos observar que os seus principais alvos recaem sobre grupos que têm os direitos assentes em estruturas mais fragilizadas, como é o caso de mulheres e crianças.
Nesta conjuntura, é essencial se questionar o porquê da escolha destes grupos em específico.
A mulher sempre foi considerada como inferior quando comparada com o homem, assumindo um papel submisso, sendo direcionada para tarefas mais domésticas, que não envolvessem tanto trabalho intelectual, já que não eram consideradas aptas para tal. Não obstante, a submissão da mulher permitiu a que a mesma fosse reduzida ao ponto de ser perspetivada apenas como um instrumento de satisfação masculina, não possuindo vontade própria, e é aqui que se encontra o pilar fundamental que sustenta a prostituição ou o tráfico humano, visto que retiram tudo aquilo que faz da mulher um indivíduo com vontade própria, dignidade e liberdade (indo contra ao que já foi conquistado em matéria de Direitos Humanos), transformando-a num objeto, cujo valor mede-se em quantidades monetárias.
Já Ana Sofia Fernandes, Presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, define prostituição como sendo “um sistema de relações desiguais de poder conduzido por dinheiro, que muitas vezes implica violência e objetificação para com a mulher neste sistema”.
Devido à pouca credibilidade que a mulher retira deste meio, a mesma acaba por ser considerada como a principal culpada na perpetuação da prostituição, existindo, assim, uma síndrome de culpabilização da vítima, ao invés de se responsabilizar as pesssoas que a financiam, como por exemplo, os compradores de sexo ou os proxenetas, ou seja, aqueles que lucra com a prostituição de outrem.
A naturalidade com que a prostituição é levada acaba por acarretar grandes consequências, minando as relações sociais dentro de uma comunidade, trazendo à superfície problemas de índole socioeconómica, como é o caso da violência sexual e o racismo, a título de exemplo. Assim, podemos considerar que o “ sistema da prostituição é baseado na desigualdade económica entre mulheres e homens, pois são elas quem mais sofrem com a pobreza, e na desigualdade sexual entre mulheres e homens, uma vez que é a sexualidade das mulheres que, por norma, é vista como subordinada. Mesmo nos casos em que as pessoas na prostituição são homens ou mulheres trans, os compradores são quase exclusivamente homens.”
Tendo isto em conta, a prostituição é uma porta de saída conducente ao tráfico humano, sendo ambos os conceitos indissociáveis um do outro, já que, tantos os compradores de sexo como os proxenetas são os mesmos nos dois meios, sendo, todavia, a técnica de exploração a mesma, uma vez que as mulheres se encontram à mercê dos mesmos, sofrendo coação, danos psicológicos e físicos, para além de ainda serem expostas a comentários nocivos, o que prova que as mulheres necessitam de encaixar nos padrões de gosto dos seus clientes, como se de um objeto se tratasse.
Outra questão relevante a considerar é a relação entre a migração e o sistema de prostituição, que continua a expander-se a um ritmo considerável, “à custa de mulheres e raparigas migrantes, que perfazem a maioria das pessoas na prostituição nos países europeus”.
Deste modo, as mulheres que se encontram integradas no sistema de prostituição, assistem à sua vida a ser difilcuada, uma vez que sucumbem à discrimanção social, tendo complicado acesso a direitos socioeconómicos, como apoios financeiros, empregos que paguema acima do salário mínimo, entre outros. Esta situação para mulheres migrantes torna-se ainda mais arriscada, já que, se recorrerem algum tipo de ajuda ou denunciar eventos de ilicitude, podem ser deportadas, se não tiverem título de residência atualizado, sendo remetidas para um caminho de obscuridade e exclusão.
Consoante este panorama, é necessário colocar em ação um conjunto de medidas de modo a prevenir uma expansão de maior dimensão, tanto a nível estadual, como no plano internacional. Sendo assim, a integração das pessoas que se incluem no sistema de prostituição na sociedade, como forma de combater as injustiças sociais e a exclusão, começa, segundo o programa EXIT, de acordo com três objetivos primordiais: a descriminalização das pessoas na prostituição; a criminalização da compra de sexo, do proxenetismo e do tráfico humano; e o financiamento para serviços de apoio e programas de saída para as pessoas na prostituição.
Abordagens que se apoiaram nos objetivos supramencionados já foram realizadas e, consequentemente, alvos de grande popularidade, especialmente no Norte da Europa, como foi o caso da Noruega, Islândia, Suécia, entre outros, pelo que este modelo ficou conhecido comumente como “modelo nórdico”.
Numa outra nota, é essencial a existência de associações e de instituições que facilitem a reintegração de pessoas que trabalham neste ramo, servindo como um meio de proteção contra os abusos, exploração e violência, proporcionando, de igual forma, uma saída para quem quer sair da prostituição, o que não é uma jornada fácil de todo, por todo o trauma que as vítimas sofrem, seja ele psicológico, sexual, estupefacientes, sendo primordial um acompanhento próximo de profissionais de saúde mental e sexual. Assim sendo, revela ser fundamental a existência de programas financiados pelo Estado, que se baseiem em aspetos como o respeito pelos indivíduos na prostituição, a interdisciplinaridade e a cooperação entre profissionais e instituições, de modo a coordenar os seus esforços no sentido de criar espaço seguro para as mulheres ou outras pessoas que se prostituam, e por fim, a criação de medidas que tenham objetivos de longo prazo, isto no âmbito das estratégias de saída do ramo da prostituição.
Já no plano internacional, a prostituição e o tráfico humano ainda continuam a ser realidades bastante expressivas. Porque é que isto acontece?
A verdade é que as organizações criminosas acabam sempre por encontrar meios por onde continuar a sua atividade, escapando ao radar das autoridades nacionais e internacionais, emergindo à superfície lacunas que constituem obstáculos legais à condenação do crime de tráfico humano e prostituição, perpetuando este tipo de crimes e a conduta dos violadores do Estado de Direito e dos Direitos Humanos. Isto leva a que as vítimas de abusos e de exploração no meio da prostiuição acabem por perder esperança nos órgãos de justiça e no desejo de recomeçar a sua vida, não encontrando alternativas para escapar a este submundo de violência.
A quantidade real de vítimas de exploração e tráfico humano torna-se díficil de definir. A Organização das Nações Unidas estima que aproximadamente 2,5 milhões de pessoas são traficadas por ano, enquanto que o número reportado por inúmeras ONGs suba para 200 milhões, tornando-se aqui evidente a sinuosa jornada para uma monitorização efetiva deste tipo de crimes.
Cláudia Pedra, especialista em Direitos Humanos e diretora da Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais, afirma que “Os dados oficiais são muito limitados. Emanam essencialmente de vítimas encontradas pelas autoridades que são uma imensa minoria, como mostra a nossa investigação no terreno. A vasta maioria são encontradas por ONG’s – padres, pastores, profissionais de saúde – não são encontrados pelas autoridades, mas têm meio de fazer denúncia, por elas e pelas suas famílias”.
Os casos de exploração sexual e de tráfico não são, na maioria das vezes, reportados devido a um estado permanente de medo por parte das vítimas, para além das redes de tráfico possuírem meios de continuar aterrorizar as vítimas e exercerem pressão para as mesmas não falarem, caso contrário, sofrerão as consequências, muitas vezes, ameaçando as suas vidas e as suas famílias, preferindo, assim, as vítimas a cumprirem pena dos crimes que foram obrigadas a cometer, do que denunciar o seu traficante.
Com a eclosão da pandemia de Covid-19, evidenciaram-se ainda mais as falhas coadjuvantes ao tráfico humano, salientando a vulnerabilidade das vítimas de tráfico humano e agilizando a ação dos proxenetas e dos compradores de sexo, que usam a sua creatividade e a Internet como as suas armas predilectas. O relatório anual supervisionado por um grupo de peritos da Convenção do Conselho da Europa relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos, designado como GRETA, onde Espanha surge como exemplo desta questão, em que “as plataformas digitais como o Airbnb [plataforma de arrendamento de curta duração]” são cada vez mais utilizadas para “alugar apartamentos onde é praticada a exploração sexual”, o que reduz, de acordo com o grupo de peritos, a capacidade da polícia para detetar vítimas de tráfico”. Contudo, os peritos da GRETA realçam e congratulam a ação de alguns países, como foi o caso do Reino Unido, Itália e Espanha, cuja intervenção salvaguardou o normal funcionamento das estruturas de apoio às vítimas.
Referências Bibliográficas:
Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual em Portugal
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