2022: Três eleições que vão abalar o Ocidente

Um mundo confinado

Um novo ano chegou. A evolução da tecnologia, a questão das alterações climáticas, o terrorismo, a proliferação de armas nucleares e o afastamento do mundo ocidental da democracia liberal impulsionam um clima de tensão, insegurança e medo, tanto para o presente, mas especialmente para o futuro.

Com o deflagrar da pandemia da Covid-19 pelo mundo, que levou até ao momento à morte de mais de cinco milhões de pessoas e à infeção de cerca de trezentos milhões… Neste paradigma de crise muitas das questões que enumerei acima passaram para o segundo pano a nível mediático.

Contudo elas não despareceram. Aliás algumas foram até exacerbadas. 2020 e 2021 conheceram alguns dos fenómenos políticos mais marcantes do milénio. Como as tumultuosas eleições presidenciais nos Estados Unidos e a deflagração das manifestações do Black Lives Matter por todo o mundo. A realidade é que o poder político esteve e está em constante relação com o combate à pandemia em todos as suas dimensões, tanto económicas como a nível de saúde publica.

Os últimos dois anos têm sido altamente penosos para a humanidade. Em qualquer canto do mundo todos foram afetados de alguma forma por este vírus. Agora que a humanidade se prepara para virar a página da pandemia e iniciar o processo de recuperação humana e económica o mundo ocidental está prestes a chegar a uma encruzilhada.

Três eleições, duas presidenciais e uma legislativa, vão determinar não só o futuro político de alguns dos principais atores políticos da Europa e das Américas. Mas também a continuidade e funcionamento das instituições internacionais como a própria União Europeia e até da ordem internacional como nós a conhecemos.

Presidenciais no Brasil

Antes de analisar as eleições presidenciais de 2022 no Brasil penso que seja relevante fazer um balanço dos primeiros três anos da atual presidência brasileira e como estas eleições podem vir influenciar profundamente o futuro do país.

Jair Bolsonaro fora eleito o 38º Presidente do Brasil no dia 28 de outubro de 2018.

O ex-militar brasileiro, candidato pelo Partido Social Liberal, levara a cabo uma candidatura presidencial que apelara ao descontentamento do povo brasileiro para com o aumento da criminalidade, da corrupção endémica na esfera governativa e a difícil situação económica do país. Defendo também (à semelhança do seu “primo afastado” Donald Trump) a saída do país dos Acordos de Paris de 2015.

Grandes e vocais movimentos de oposição à sua candidatura não foram o suficiente para impedir a sua eleição. Desde então a sua presidência tem sido marcada por grandes reformas nas áreas da economia, da segurança e da saúde. Assim como grandes polêmicas e escândalos políticos.

Bolsonaro iniciara o seu mandato com níveis de aprovação surpreendentemente elevados. Segundo o website Ibote o Presidente brasileiro tinha um nível de aprovação de 67% em janeiro de 2019. Em setembro de 2021 o PoderData indicava que o nível de aprovação de Bolsonaro tinha caído a pique para os 29% enquanto que 62% dos inquiridos faziam um balanço negativo da atual presidência.

Em muito este clima de hostilidade da população para com o Presidente se deve à resposta do mesmo à pandemia da Covid-19.

Muitos líderes mundiais em algum momento ou outro desvalorizam os efeitos da pandemia. Poucos, contudo, mantiveram o discurso completamente fundamentalista e até negacionista em relação à própria pandemia. Bolsonaro em vários momentos desvalorizou a pandemia apelidando-a de uma “gripezinha” ou de uma coisa passageira, recusando intrinsecamente medidas de confinamento ou fechar parcialmente a economia nacional para conter a propagação do vírus. Mesmo depois de ter contraído o vírus no verão do ano passado (tendo desenvolvido sintomas graves) o seu discurso não mudou, a sua posição não se moderou.

Uma das suas declarações mais caricatas surgiu em dezembro do ano passado, onde criticou o contrato feito para aquisição da vacina da Pfizer, referiu que se a vacina transformasse as pessoas em crocodilos ou mulheres barbudas, a empresa não teria qualquer responsabilidade.

Até ao final de outubro de 2021 no Brasil já quase vinte e dois milhões de pessoas foram infetadas com o vírus e quase seiscentas e oito mil acabaram por falecer devido aos efeitos do mesmo, correspondendo a uns dos valores mais elevados no mundo.

No início deste ano Lula da Silva sinalizou a sua intenção de se candidatar contra Bolsonaro nas eleições do próximo ano. Lula fora o Chefe de Estado do Brasil de 2003 a 2011. O seu governo teve como bandeiras a introdução de vários programas sociais, como o Bolsa Família e o Fome Zero, ambos reconhecidos pela Organização das Nações Unidas como os programas que possibilitaram a saída do país do mapa da fome. Durante os seus dois mandatos, protagonizou várias reformas e mudanças radicais que produziram transformações sociais e econômicas no Brasil, que triplicou o PIB per capita do país.

Em 2017 o antigo Presidente fora condenado a 9 anos de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no rescaldo da infame “Operação Lava Jato”. Após um processo judicial muito extenso e complexo, que teve grande atenção pública e mediática, o antigo Presidente fora parcialmente ilibado as suas acusações em março de 2021. Por esta altura Lula da Silva sinalizou a sua intenção de se recandidatar a Presidente.

Esta eleição irá sem dúvida ter um impacto tremendo no futuro do país. Se Bolsonaro for reeleito o país continuara a sua política de hostilidade para com a comunidade internacional, especialmente naquilo que touca às questões das alterações climáticas e ao combate à desflorestação da Amazónia. Bolsonaro também é um critico da Mercosul e um fervente anticomunista. A nível nacional as suas políticas económicas, apesar de terem demonstrado resultados nos primeiros meses de mandato, não se têm conseguido adaptar à pandemia. Lula tem na sua lapela o distintivo de ser um antigo Presidente, e apesar de ter desenvolvido muitos anticorpos na sociedade brasileira os seus anos no executivo ainda são relembrados com alguma saudade. Sendo um opositor à economia de mercado plena a sua presidência provavelmente implicaria uma reversão quase total das reformas económicas do atual líder. No plano internacional Lula poderia promover uma reaproximação à comunidade internacional, promovendo um maior compromisso do Brasil nas guerras ambientais e combater eficazmente a desflorestação da Amazónia.  

Até ao início do ano de 2022 a maioria das sondagens indica que o (possível) candidato Lula da Silva dispõem de uma vantagem confortável em relação ao Presidente incumbente. Apesar de continuar uma figura muito controversa no Brasil a sua eleição pode ser vista por muitos como um mal menor. Só nos resta acompanhar de perto como é que as respetivas campanhas eleitorais se vão agilizar. Uma coisa é certa o Brasil continua a estar tão politicamente polarizado como sempre.

Midterms nos Estados Unidos

Eleições nos Estados Unidos. Este é um tema que, aparentemente, nunca, mas nunca consegue sair da agenda mediática. Passou pouco mais de um ano desde a intensa disputa presidencial de 2020 que viu o candidato incumbente Donald Trump do Partido Republicano a disputar as chaves para a Sala Oval com o candidato Democrata Joe Biden. 

Os quatro anos de mandato de Trump foram marcados por uma permanente guerrilha com a comunicação social e com alguns dos seus principais aliados internacionais. Os quatro anos de Trump foram marcados por uma crescente polarização na discussão política, não só nos Estados Unidos, mas no mundo Ocidental como um todo. O seu último ano de mandato fora também caracterizado pelos tumultos no combate contra a pandemia, que tornou a América num dos epicentros da doença.

Após uma feroz disputa interna entre a ala mais esquerdista do Partido Democrata com a ala mais moderada, Joe Biden surgiu como o escolhido. Como o único homem capaz de enfrentar e derrotar Trump num frente a frente eleitoral.  

Os americanos foram a votos no dia 3 de novembro. Joe Biden venceu e tornou-se no 46º Presidente dos EUA.

Biden apresentou-se aos americanos como um reformista, prometendo reconstruir a economia americana após um ano em que esta estava sufocada (Build Back Better). Biden prometeu curar as clivagens artificiais e não artificiais que se vieram a criar no povo americano ao longo dos últimos anos – entre Democratas e Republicanos, entre Ricos e Pobres, entre os ditos Puros e Impuros, etc. Biden afirmou que iria repor o prestígio internacional e militar norte americano após 4 anos de um isolamento assustador.

Tendo quase um ano de mandato sob sua alçada a presidência Biden já apresentou sinais de grande preocupação e até humilhação – a desastrosa retirada das forças americanas do Afeganistão, a incapacidade da economia americana de retomar a plenitude de funcionamento, os entraves à vacinação por todo o país e os primeiros sinais de uma crise económica com o perigoso aumento da inflação e nas dificuldades das cadeias de abastecimento. O Presidente também teve as suas vitórias, sendo a maior delas a aprovação de um projeto para o investimento de mais de um trilião de dólares em infraestruturas por todo o país ao longo dos próximos anos. Um megaprojeto que necessitou de aprovação não só da representação dos Democratas no Congresso, mas também de um número substancial de Republicanos. Este não foi um feito pequeno, tendo em consideração que ao longo das últimas legislaturas ambos os partidos se têm entrincheirado e a cooperação tem sido praticamente inexistente.

Com as eleições legislativas de 2022 Biden tem o seu mandato presidencial em jogo, mesmo não sendo ele que vai a votos. A perda de uma maioria estável no principal órgão legislativo dos Estados Unidos poderá dificultar daqui por diante todo o processo legislativo por parte da sua administração, comprometendo a execução dos megas projetos de reconstrução económica e quem sabe talvez uma maioria republicana possa vetar qualquer comissão de inquérito para investigar as atividades do seu antigo Chefe de Estado – inclusive o envolvimento, ou não, do Presidente Donald Trump e do resto da sua equipa nos ataques ao Capitólio no início do ano passado.

A continuação da divisão, conflitualidade e incerteza na democracia mais poderosa no mundo poderá contribuir não só para o prolongamento da curva da recessão económica ou, no pior dos casos poderá contribuir para a acentuar.

Neste momento todos os cenários estão em aberto e fazer qualquer tipo de previsão rigorosa é impossível. O futuro dos EUA será novamente colocado nas mãos do povo americano.

Presidenciais na França

A eleição de Emmanuel Macron na França em 2017 fora para muitos uma surpresa. A eleição “que fez parar a Europa” acontecera poucos meses após a extraordinária vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Muitos antecipavam que um resultado igualmente surpreendente se pudesse desenrolar no país nesse mesmo ano… Macron era na época uma figura relativamente desconhecida na França e na Europa. Teve um percurso político pouco notável, mas o seu discurso ao longo de toda a campanha eleitoral apelou muito aos votantes franceses que queriam uma alternativa de centro direita forte. Nunca deixando de piscar o olho aos eleitores de direita, mas que ao mesmo tempo promovia um modelo de desenvolvimento económico que não deixasse ninguém para trás, recolhendo muitos votos à esquerda. Alternativa que não se revia no discurso extremista de Marine Le Pen.

Após duas voltas emocionantes Macron tornara-se no líder mais jovem da história recente da França desde Napoleão Bonaparte.

Os seus primeiros meses no cargo foram marcados por um nível de popularidade e satisfação por parte do povo francês bastante invulgar. Contudo o número crescente de atentados terroristas, a crise económica e social emergente e o descontentamento para com a governação “ao centro” de Macron levaram a implosão de grandes manifestações nestes últimos anos. Os inimigos do atual Presidente não tardaram em ressurgir… só que desta vez o líder francês conta com novos rostos no campo adversário.

À direita Le Pen enfrenta um adversário na luta pelo voto do eleitorado descontente com o rumo do país e pelos abstencionistas. O jornalista Eric Zemmour conseguiu surpreender todos e ninguém ao mesmo tempo ao anunciar a sua candidatura à presidência francesa. Num vídeo de apresentação, acompanhado pela sinfonia número 7 de Bethoven, anuncia-se como o único candidato que poderá salvar a França da deterioração nacional e da burocratização de Bruxelas.

A apresentação de candidatura de Zemmour para todos os efeitos só vai servir para dividir o voto de uma fatia do eleitorado o que terá como provável consequência o afastamento do sonho de ambos os candidatos de extrema direita da segunda volta ou até da própria presidência. O espaço fica então aberto para Valérie Pécresse, candidata do partido de centro-direita Les Republicans. Tendo vencido discretamente as primárias do seu partido Pécresse prometo disputar o voto moderado com o candidato incumbente Mácron.

Nestas eleições, contudo, está em jogo muito mais do que a presidência de um país, está a governação e liderança de um continente. Com a saída da Chanceler alemã Angela Merkel após quase 20 anos de poder abre-se uma possibilidade bastante aliciante para os candidatos franceses: a possibilidade de assumirem a posição de líder informal (e muitas vezes formal) da Europa. Merkel ao longo dos seus mandatos marcou o ritmo na resposta à crise de 2008, na política de refugiados e na oposição firme da União Europeia aos regimes antidemocráticos em ascensão dentro e fora das fronteiras da UE.

A continuação de Macron ou a chegada ao poder Pécresse será positiva para aqueles que estão maioritariamente satisfeitos com o rumo da Europa dos últimos anos – uma política de fronteiras abertas, a continuação da integração política e económica e o reforço das instituições da união para promover a reconstrução económica do continente. A chegada ao poder de Zemmour ou Le Pen marcariam uma inversão completa de ciclo para a Europa no aprofundamento do projeto europeu, nas políticas de imigração e na oposição firme às tentativas autoritárias na Hungria e na Polónia.

Contudo se tivermos como base as sondagens este segundo senário é, neste momento, muito pouco previsível – a divisão de um eleitorado, que já por si não é maioritário, só afasta a possibilidade de qualquer um chegar sequer à segunda volta.

O projeto pessoal e político de afirmação europeia de Macron está agora a ser testado com a presidência do seu país do Conselho da União Europeia. Uma presidência europeia frutuosa e uma reeleição confortável poderá projetar o líder francês para uma posição de influência internacional que os seus antecessores nunca sonhariam.

Faça o primeiro comentário a "2022: Três eleições que vão abalar o Ocidente"

Comentar

O seu endereço de email não será publicado.


*