Forecast 2022: Europa de Leste

O ano de 2021 terminou envolto por uma névoa de incertezas. Estaremos próximos ao fim da pandemia de COVID-19? Esta é uma pergunta recorrente entre os comerciantes, empresários, políticos e por todos aqueles que tiveram as suas vidas afetadas, paralisadas ou até mesmo
arruinadas pelo vírus e pelos seus desencadeamentos.

Os dados estatísticos são assustadores, mas se observamos do ponto de vista que muitas vezes é ignorado, de que esses não são apenas números, mas vidas que se foram irreversivelmente perdidas ou alteradas, estamos diante de uma realidade dantesca, ainda mais para os familiares e vítimas de sequelas irreparáveis. Até o dia 24 de janeiro de 2022 temos confirmados
349,334,552 casos e 5,591,704 óbitos em decorrência da infeção pelo infame vírus. Apesar desta realidade tangível, muitos optam pelo intangível, por teorias da conspiração, pela negação da ciência, pela disseminação criminosa de informações fundadas em crenças e em estudos absolutamente deliriosos, fatores estes que provocam uma crise do processo de imunização e criam incertezas em relação ao escalar do vírus no que se diz respeito às suas mutações.

O vírus fez o suficiente para balançar as estruturas do “mundo normal” que vivíamos antes 2020, mas enquanto não alcançamos a extinção absoluta, a humanidade segue em frente, a economia e os mercados trabalham dia e noite, as tecnologias evoluem, a medicina evolui, novas esperanças surgem, assim como novas perspetivas e expectativas de vida. Mas, ao mesmo tempo, os nossos velhos conflitos, as nossas velhas políticas e as nossas velhas mentiras prevalecem junto connosco. Neste texto, faço um convite a rever os principais acontecimentos do ano de 2021 na Rússia, na Europa do Leste, nos Bálticos e nos Balcãs, e talvez até períodos mais afundados no passado, para tentar construir uma visão dos possíveis resultados das crises
que se desenvolveram no ano passado.

Conflito Iminente Entre Rússia e Ucrânia?

Desde o final do ano passado, o mundo desviou um pouco o seu olhar da pandemia e atentou-se a um conflito iminente entre a Rússia e a Ucrânia, no entanto, para entendermos com clareza a relação conflituosa entre as potências que protagonizam esta tensão, é necessário dar alguns passos para trás e revisitar, mesmo que de maneira breve, a gênese da história eslava.

Por volta do século X, as forças do príncipe Vladimir, que governou a confederação de tribos eslavas que se estendia desde a parte europeia da Rússia até uma parte significativa da Europa do Leste, conquistaram o território que atualmente é conhecido como Sevastopol, na Crimeia. Esta região ocupada pelas tribos eslavas ficou conhecida como Rus de Kiev. A palavra Rus, inicialmente, compreendia a aristocracia escandinava da Europa oriental, mas depois abrangeu toda a população da Região, enquanto Kiev é a atual capital da Ucrânia, fazendo deste conglomerado de tribos, um ancestral medieval comum não só à Federação Russa e à Ucrânia,
mas como também, à Bielorrússia. Tendo em conta este precedente, é difícil chegar a uma conclusão sobre a quem pertence a Crimeia, que por sua vez, além possuir uma importância territorial histórica ligada ao início das civilizações Russa e Ucraniana, possui uma importância geográfica, permitindo acesso ao Estreito de Dardanelos, ao Estreito de Bósforo e ao Mar Negro.

O território russo é colossal, compreendendo partes dos continentes Europeu e Asiático, no entanto, a Federação Russa tem um comércio marinho aquém do esperado, devido ao facto de não possuir um porto oceânico de águas quentes, estando restrita apenas à mares fechados, como o Mar Negro, ou à Portos que que congelam durante parte do ano como os do Ártico e o de Vladvostok. A obsessão incessante dos russos pelo território da Crimeia advém deste problema estratégico, reconhecido desde a época do Czar Pedro, o Grande, e originou uma quantidade significativa de conflitos armados na região desde a Idade Média como as diversas guerras travadas contra os Turcos originadas pela anexação do território levada à cabo em 1783 por Catarina, e a Grande e Guerra da Crimeia.


Agora voltemo-nos ao século XX, mais especificamente, aos primeiros anos seguintes à Revolução Soviética de 1917. Nesta época, o território da Crimeia foi transformado numa república autónoma como parte da Rússia, até que no ano de 1954, quando foi posta sob administração ucraniana por motivos territoriais. É claro que o governo soviético nesta época não previa que a Ucrânia, junto com a Crimeia, declararia independência da URSS em 1991, tornando-se a terceira maior potência nuclear do mundo, mas sem controlo operacional das armas. Foi então assinado um acordo que os países da antiga URSS, nomeadamente o Cazaquistão, Belarus e a Ucrânia teriam a sua integridade territorial garantida pelos Estados Unidos da América, pela Rússia e pelo Reino Unido caso optassem por abrir mão dos. Uma outra problemática desencadeada pela independência da Ucrânia foi a posse das tropas do Mar Negro que foi respondida em 1997 pela assinatura do “Partition Treaty on the Status and Conditions of The Black Sea Fleet” que determinava a divisão da antiga tropa soviética entre Ucrânia e Rússia, a qual manteve 80% da frota e o direito de manter tropas no território da
Crimeia, bem como determinou as condições para o aluguer ou operação mútua de bases na região.


O período relativamente pacífico que se estendeu desde 1997 encerrou-se em novembro de 2013 quando o governo de Viktor Yanukovich estreitou os laços com a Federação Russa ao prolongar o aluguel de bases e assinar contratos de fornecimento de gás, desistindo de uma associação comercial com a União Europeia. Deste acontecimento, seguiram-se protestos contra a liderança de Yanukovich, acusado de corrupção por priorizar o seu relacionamento com Moscovo, que suportava o seu governo, e por agir contra os interesses nacionais, nomeadamente a aproximação com a Europa. Juntamento de Vladimir Putin, Yanukovich acusou as manifestações da oposição de terem sido formadas através de uma interferência americana com apoio de grupos nacionalistas, neonazi e neofascistas, especificamente o Medalhão de Azov, que supostamente perseguiam a comunidade russa.

Em 2 de Fevereiro de 2014, Yanukovich cai e os EUA reconhecem o governo provisório de Oleksander Turtchynov que governou até a data das eleições presidenciais, 25 de maio do mesmo ano. Como esperado, Putin repudiou o acontecimento, acusando-o de ser um golpe contra um governo legitimamente eleito através do voto democrático.

Enquanto isso, na Crimeia, desenrolavam-se manifestações tanto a favor, que pediam proteção aos russos contra agressões ucranianas, quanto contra a Rússia, até que tropas russas de elite não identificadas apropriaram-se das principais bases militares da região, evento este que foi acompanhado pela deserção de parte da marinha ucraniana. Em 16 de março, um referendo na Crimeia aprovou a independência da península, bem como a sua anexação por parte da Federação Russa. O referendo foi considerado ilegítimo pelos americanos pelo faco de ter sido realizado sob ocupação da Rússia, o que não impediu Putin de reconhecer o Crimeia como parte do seu território, dando início a um conflito que, apesar não oficializado, perdura até o presente, principalmente do Leste Ucraniano.


Chegamos em fim aos nossos dias, a uma tensão fronteiriça passível de evoluir para um combate armado com proporções globais. Algumas pessoas interpretam este evento como uma reprodução da Crise dos Mísseis de Cuba de 1962, supostamente evidenciando que uma nova Guerra Fria. Mas serão estes medos justificados por um risco real ou apenas parte de uma
histeria coletiva? Quais serão os próximos passos das nações envolvidas neste embate?

Segundo a ministra dos assuntos dos veteranos de guerra da Ucrânia, Yulia Laputina, o conflito supostamente iminente oriundo do posicionamento de estimativamente 100.000 soldados russos nas fronteiras da Ucrânia meses atrás. Temos já uma ideia dos anos de história que indubitavelmente influenciaram os eventos em 2014 e que continuam a influenciar em 2022,
mas qual foi o gatilho que provocou esta ameaça de guerra envolta de um caráter mais sombrio?

Moscovo observa a expansão da NATO na Europa do Leste como uma ameaça a esfera de influência que praticamente se desintegrou com o colapso da URSS em 1991. Desde a ruína do império soviético e com a fragilidade da Rússia, nos últimos 30 anos, os Estados Unidos assumiram uma posição privilegiada do sistema internacional, conflitos e tensões geopolíticas entre potências nucleares não foi uma realidade, no entanto, com emergentes tensões internas nos EUA e com o desgaste da postura de liderança assumida pelo país é provável que se dê início a um processo de declínio do mesmo em relação ao papel que ocupava, ao passo que a Rússia, sendo uma superpotência energética, fornecedora principalmente de gás natural, progressivamente recupere as forças para disputar uma posição de liderança o que envolve a segurança e a influência nas suas fronteiras, estas que são ameaçadas pelo avanço da NATO que se traduz no envolvimento de países como a Ucrânia, visto pelos russos como um “bloqueio fronteiriço” contra os países do ocidente e da NATO, na esfera de influência dos estadunidenses, estes que, caso concretizassem a entrada de países vizinhos dos russos teriam a possibilidade de posicionar mísseis que alcançariam a capital Moscovo em questão de instantes. Não podemos prever com exatidão se o conflito irá eclodir num confronto armado ou não, ou se as novas sanções irão resultar num recuo o russo, mas, podemos estar diante da concretização de um novo normal, no qual tensões semelhantes estarão sempre presentes entre os gigantes do sistema internacional.

CRISE NAS FRONTEIRAS DA BIELORÚSSIA

Ainda na região da Europa do Leste, mais uma tensão fronteiriça está a verificar-se originada por uma crise migratória alegadamente propagada propositalmente pelo governo bielorusso em retalhação a sansões aplicadas pela União Europeia. Tudo começou em agosto de 2020 com a reeleição do ditador da Bielorrússia com 80,23% dos votos e com indícios relevantes de fraude eleitoral. Desta suspeição, espalharam-se pela capital, Minsk, protestos contra o governo vigente, os quais foram repreendidos de maneira violenta e com detenções de alguns manifestantes, originando, por parte da União Europeia, penalidades contra 59 integrantes do governo bielorrusso, dentro dos quais, o ditador Alexander Lukashenko e seu filho Viktor Lukashenko, tendo os seus bens dentro do espaço comum congelados e sendo proibidos de realizar viagens no mesmo.

Outra ocasião que acarretou em mais sanções por parte do bloco europeu foi a apreensão do jornalista Roman Protasevich, que divulgou informações sobre os protestos contra as eleições de Lukashenko via Telegram, levada à cabo através do desvio de um voo da companhia área Ryanair, com destino à Lituânia, para Minsk. O resultado desta tramoia foi o fechamento dos aeroportos do bloco a aviões provenientes da Bielorrússia e sanções económicas restritivas contra companhias vitais do regime de Lukashenko.

Lukashenko, estando consciente do facto de que a rota de acesso ao bloco europeu por meio das fronteiras do seu país é preferível às rotas marítimas pelos migrantes, teria se servido de uma parceria entre os operadores turísticos estatais bielorrussos e agências de viagens Turcas e Iraquianas, conhecidas por fornecerem vistos como uma facilidade incomum, fornecendo vistos de turista para migrantes e prometendo acesso à União Europeia com o intuito claro, segundo Varsóvia, de propagar uma crise migratória visando forçar o bloco europeu a levantar as sanções previamente estabelecidas.

Em decorrência das ações de Lukashenko, várias pessoas provenientes principalmente do Médio Oriente e, no início de 2021, 4.000 migrantes dirigiram-se às fronteiras da Lituânia, configurando o país mais afetado pela crise junto da Letónia. Em agosto, na Polónia, o número de tentativas ilegais de adentrar no país era próximo de 3.000, 50 vezes superior ao normal. Em setembro no mesmo ano, Varsóvia, para lidar com a crise, decretou estado de emergência após a morte de 7 migrantes nas suas fronteiras por hipotermia causada pelas temperaturas hostis da região, resultando, em outubro, com que o governo polaco aprovasse uma lei que autorizava a expulsão dos migrantes ilegais que, no entanto, ficaram impedidos de regressar a Minsk.

Por sua vez, o governo polaco posicionou 15 militares e uma cerca de arame farpado acrescentando uma possibilidade de confronto com os migrantes que até o momento representavam mais de 35000 tentativas ilegais de cruzar as fronteiras do país. Em outubro, o parlamento aprovou o orçamento de 353 milhões de euros para a construção de um muro que irá
cobrir estimativamente uma zona de 180 quilómetros da zona oriental da fronteira com a EU, que por sua vez utilizou de uma incidente pressão diplomática para forçar o governo iraquiano a suspender os voos com destino à Minsk, bem como convenceu as companhias áreas Turkish
Airlines e Belavia a interromper o transporte de passageiros do Iémen, Iraque e Síria, com algumas poucas exceções, já que grande parte dos migrantes vinham destes países.

Com os esforços empenhados pelos Polacos a impedir a entrada dos migrantes, é de esse esperar que Lukashenko recue com as ofensivas, negando ele mesmo ser o responsável pela crise. Sendo impedidos de adentras, os migrantes passam a tomar posturas mais agressivas contra as forças polacas ao tomarem conhecimento sobre o seu retorno iminente aos países dos quais fugiram.

PUTIN E A INTERNET

Retornemos à Rússia, mas desta vez observemos os movimentos internos do país, especificamente o Kremlin e ao regime de Putin que caminha a passos largos rumo a uma forma de governo tirânica o que pode ser observado não necessariamente numa tentativa de manipular as eleições diretamente, mas na forma como o governo vem tentando se livrar da oposição liderada por Alexei Navalny. Estaria Putin a tentar de alguma forma construir para si um papel de Czar?

Em 2021, Putin superou um empecilho na constituição que o impedia de continuar o seu atual mandato para além do ano de 2024, limite esse que se estendeu para pelo menos o ano de 2036 e não seria nenhuma surpresa se no futuro encontrasse mais uma maneira de prolongar a sua estadia no poder. A prisão de Navalny e as perseguições e repreensões aos seus apoiantes e equipa, além do seu banimento da rede televisiva estatal não, são o suficiente para negar uma realidade inegável, a de que a força do partido de Putin, Rússia Unida, não é hegemónica, e que grande parte da população é contra o regime atual e a favor de uma mudança, o que é revelado pelas redes sociais, principalmente pelos números do canal do YouTube de Navalny que se equipara em números aos canais televisivos do governo russo.

Os desafios para o estabelecimento mais concreto do autoritarismo de Putin residem principalmente na militância política dos civis nas redes sociais, muito mais relevantes atualmente no mundo todo do que os antigos meios de media e comunicação. A proibição ou restrição do acesso geral da população aos novos media seria uma problemática e com certeza desencadearia um descontentamento quase unânime e a popularidade do Rússia Unida seria ainda mais prejudicada, principalmente pelo facto de que muitos russos utilizam plataformas como Twitter e YouTube (principais meios de comunicação utilizados pela oposição) para fins de entretenimento e lazer, e nada querem saber de política. A alternativa encontrada foi então classificar os posicionamentos de Navalny como extremistas, proibindo a operação dos seus websites, dificultando o seu acesso ao Twitter e promovendo ações judiciais contra as lojas de aplicações da Google e da Apple requerendo que estas retirassem o conteúdo da oposição. Apesar disso, os vídeos de Navalny continuam a circular no YouTube e é de se esperar que novas investidas contra a empresa para censurar por completo o seu rival, ao passo que uma nova rede de vídeos nacional é criada, a RusTube, servindo como substituto da plataforma de vídeos da Google, um passo adiante para a vitória da tirania de Putin na guerra contra a internet, significando um controlo completo das redes de divulgação de informações.

O COVID nos países do Leste

Na Europa do Leste está emergente um surto de infeções pelo novo Corona Vírus em razão da rejeição à vacinação por parte da população, esta que representa aproximadamente 90% dos internados na Roménia com algumas exceções, sendo vacinados idosos ou com um estado debilitado de saúde. Com uma média de 15 mil infetados diariamente, o país preocupa-se com doentes críticos à espera de camas vagas nas unidades de tratamento.

Na Lituânia, os infetados alcançam o seu maior número desde dezembro de 2020, fazendo com que as cirurgias planeadas sejam suspensas por conta da ocupação massiva das enfermagens pelos doentes infetados pelo vírus.

A Rússia enfrenta uma estagnação ao mesmo tempo que contempla um número alarmante de 1000 mortos diariamente. O país também apresenta resistência à vacinação e, por conta da crise, as autoridades sanitárias clamam à população para que esta se vacine. Os completamente vacinados na Rússia representam apenas o número de 33%.

Pode-se esperar que os números de infetados permaneça elevado enquanto os a vacinação não apresente um crescimento significativo para que não sigam a aparecer situação críticas como a presente.

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