Forecast 2022: África Subsaariana

O palco político e socioeconómico da África Subsaariana volta a ficar marcado por questões concernentes aos processos de democratização, ou suas tentativas, face a tentativas de estabilizar a política interna, por exemplo, com eleições, a instituição de relações diplomáticas e reformas jurídicas. Alguns dos conflitos armados que se vão observando mantêm-se até aos dias de hoje, sobretudo com a gradual ingerência do Daesh em forças insurgentes, que se vão esforçando para tomar o poder político. É de realçar as externalidades negativas que o combate às alterações climáticas não consegue impedir, como as secas e a destruição de ecossistemas, provocando cenários de pobreza, fome e miséria, e a crise de saúde pública que ainda vigora e está longe de sair da ordem do dia.

O cenário da pandemia e da vacinação

Até à data desta redação, apenas 13,27% da população africana foi vacinada, pelo menos, com uma dose, não pela incidência social de movimentos anti vacinas, mas pelo árduo acesso a vacinas já conjeturado. Não obstante, a CPLP e o G7+ já se disponibilizaram para reforçar e acelerar a vacinação nos seus Estados-membros, assim como a China e a UE têm doado vacinas e prestado auxílio neste processo.

A África do Sul tem se mostrado um palco instável de combate à pandemia de Covid-19, visto que já é a 2ª vez que alberga uma variante do coronavírus, tendo a 1ª vez se descoberto a variante Beta. A variante Ómicron, descoberta por uma cientista portuguesa, é a mais recente alteração do código genético do coronavírus. O país tem, ainda, invocado o passado do Apartheid, face às medidas restritivas impostas pela comunidade internacional aos voos provenientes da África Austral. Ainda este ano, o país perdeu F.W. de Klerk, vencedor do Prémio Nobel da Paz com Nelson Mandela e presidente entre 1994-96.

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Dentro dos países africanos da CPLP, Angola segue com uma crise política, intensificada após a formação de uma aliança política, que junta a oposição – a UNITA, o Bloco Democrático e o não legalizado PRA-JA Servir Angola –, de forma a combater a dominância partidária do MPLA, desde a independência angola, com as eleições de 2022 em vista.

No início de dezembro, São Tomé e Príncipe assinou com Portugal um Programa Estratégico de Cooperação, até 2025, no valor de 60 milhões de euros, nas grandes áreas das políticas e finanças públicas. Já Cabo Verde acolheu a 2ª Conferência Económica Africana, na qual participou o vice-primeiro ministro Olavo Correia, que alertou para as dificuldades que o crescimento económico africano apresenta, especialmente devido ao baixo valor de arrecadação de impostos pela fraude, apelando a novas de oportunidades de investimento privado.

O ministro português João Cravinho principiou um programa-quadro de cooperação militar com a Guiné-Bissau, com vista a mais Estados de língua oficial portuguesa agregarem-se, como já acontece com o Brasil e Timor-Leste, em missões de manutenção de paz. A comunidade internacional tem vindo a observar as motivações chinesas ligadas ao continente africano, sendo a mais recente o suposto estabelecimento de uma base militar na Guiné-Equatorial.

Apesar do sucesso das contraofensivas das forças militares (nacionais e internacionais), o conflito em Cabo Delgado, Moçambique, contra o al-Shabaab, permanece. Inúmeras infraestruturas públicas encontram-se destruídas e o número de deslocados ultrapassa os 800 mil. Há relatos de moçambicanos a tentarem fugir ao conflito armado pela fronteira a norte, em direção à Tanzânia – cuja presidência, este ano, foi assumida por uma mulher, Samia S. Hassan, após a morte do ex-Chefe de Estado –, todavia, é lhes recusado a entrada no país e o direito ao asilo.

Zona de Comércio Livre Continental Africana

A ZCLCA, uma área de livre comércio fundada em 2018, entrou em vigor no início do ano e tendo já sido ratificada por 38 de 54 Estados da União Africana, à exceção da Eritreia, que não o assinou nem ratificou devido ao conflito com a Etiópia. O seu objetivo passa pela integração e desenvolvimento económico africano, fomentando a ideia do pan-africanismo em diversos aspetos socioeconómicos, por exemplo, através da livre circulação de bens e serviços, a eliminação progressiva de barreiras tarifárias e não tarifárias, passando por aspetos relativos aos direitos da propriedade intelectual, o investimento integrado e a definição de uma política de concorrência, de forma a estabelecer bases para a criação de uma união aduaneira. Esta compromete-se, ainda, a promover reformas estruturais, por exemplo, ao nível da igualdade de género.

Processos de democratização, golpes de Estado e relações diplomáticas

Paul Rusesabagina, o homem que inspirou o filme Hotel Ruanda, foi considerado culpado por crimes de terrorismo, associados ao seu envolvimento na Frente de Libertação Nacional e no Movimento Ruandês para a Mudança Democrática. Rusesabagina recebeu o veredito na mesma altura em que morreu o principal cérebro do genocídio, Théoneste Bagosora, que faleceu enquanto cumpria a pena de prisão de 35 anos.

A República Centro-Africana foi o palco do mais recente escândalo internacional envolvendo Portugal, devido a uma denúncia que expunha o envolvimento de uma força militar portuguesa, destacada para operações de manutenção da paz, em tráfico de diamantes, ouro e branqueamento de capitais. A acusação foi denunciada em 2019, no entanto, só em outubro é que se realizaram buscas a desvendar a rede de tráfico. A RCA tem um dos seus batalhões sob a alçada do grupo Wagner, uma empresa privada russa, conhecida por já ter sido contratada pelo Governo moçambicano para combater o al-Shabaab, neste caso, a atenuar o caos e violência que caiu sob o país após o golpe de Estado de 2013.

A Somália continua a seguir a sua conjura de fragilização de relações diplomáticas. A cisão mais recente foi com o Quénia, mas o Estado somali já tinha cortado relações diplomáticas com a Guiné, após reuniões destes Estados com o presidente da região separatista da Somalilândia. Face à situação com o Quénia, entendida como uma intromissão de fronteiras, a Somália, imediatamente, reforçou a sua presenta militar ao longo da fronteira.

Na Costa do Marfim, o Tribunal Penal Internacional absolveu o ex-presidente Laurent Gbagbo e o antigo ministro Charles Ble Goude da acusação de crimes contra a humanidade, apesar de muitos locais não concordarem com a decisão, após um período pós-eleitoral turbulento, que resultou em mais de 3 mil mortos.

O Senegal mergulhou numa onda de protestos após a detenção de Ousmane Sonko, o líder da oposição. Na base do descontentamento está a suposta estratégia do governo de Macky Sall – cujo descontentamento tem vindo a aumentar – de forma a afastar Sonko da influência política que pode vir a exercer nas eleições de 2024, neste caso, com acusações de violação e perturbação da ordem pública. Todavia, Sonko já foi libertado, no início do ano, sob pagamento de fiança.

As vagas de golpes de Estado mantêm-se, este ano, realçando-se as do Mali, do Sudão – em que uma junta militar tomou o poder face às disputas entre fações políticas, com vista à criação de um ambiente favorável à realização de eleições em 2023 – e na Guiné – onde uma junta militar capturou o presidente Alpha Condé, aboliu a Constituição e dissolveu o Governo, face, especula-se, a um 3º mandato inconstitucional de Condé. No início de outubro, a junta militar da Guiné iniciou o processo de transição, com a nomeação do primeiro-ministro, ex-subsecretário-geral das Nações Unidas. O presidente da transição promete a redação de uma nova Constituição, a reforma do sistema eleitoral e a organização de novas eleições, assegurando que nenhum membro da junta se candidatará às eleições.

Na Etiópia, um conflito armado tem vindo a fragilizar o Estado da Nação, que opõe soldados eritreus e etíopes à Frente Popular de Libertação de Tigré, que se transformou numa crise humanitária com milhares de mortos e deslocados. A instabilidade política estará na origem da resposta insuficiente à coesão étnica, o que veio a procurar a insegurança alimentar de 9 milhões de pessoas. O movimento separatista tem-se aproximado da capital Adis Abeba e a ONU teme que o conflito com o Governo de Abiy Ahmed desenvolva para uma guerra civil, tendo sido criado, pelo Conselho de Direitos Humanos, uma investigação para estudar os relatos de abusos.

A influência do Daesh

Os terroristas do Boko Haram têm provocado um caos na Nigéria, com o rapto de centenas de pessoas, com relatos desde 2014. Muitas das infraestruturas públicas nigerianas têm sido atacadas por este grupo, e adotaram uma dinâmica de rapto de pessoas, maioritariamente crianças, em escolas, libertando algumas mais tarde. Em março, quase 300 meninas foram raptadas, e em junho, pelo menos 140 estudantes foram levados, já tendo havido relatos de raptos de pessoas em hospitais.

Os números de vítimas da crise no Sahel não param de aumentar. Segundo a ACNUR, a problemática conta com mais de 2 milhões de deslocados, principalmente oriundos do Burkina Faso, onde ataques jihadistas não cessam desde 2015, já tendo recolhido mais de 1400 vidas. A instabilidade do país também se reflete nas Forças de Defesa e Segurança burquinenses, que têm sido acusadas de cometer execuções em massa aos civis, com a justificação de estarem a combater supostas forças jihadistas. Blaise Compaoré, o antigo presidente burquinabê, vai ser julgado pelo homicídio do seu antecessor, Thomas Sankara, durante o golpe de Estado de 1987.

Com a morte do antigo presidente do Chade, Idriss Déby, os G5 do Sahel temem o enfraquecimento que a região possa sofrer ao nível da securitização e combate à violência armada, principalmente devido à fixação de um conselho militar, liderado pelo filho do ex-Chefe de Estado, e não de um executivo civil, o que suscitou contestações da população. A eleição de Mohamed Baozum marcou o novo período de transição democrática do Níger, todavia, abalado pelos ataques do Daesh e Al-Qaeda (alguns ainda ligados ao Boko Haram), que já mataram mais de 150 civis.

O impacto ambiental

As alterações climáticas têm agravado cenários que já eram extremos e de difícil combate, observando-se países a terem dificuldades a ter acesso a água, como o Zimbabwe e a Suazilândia sob secas intermináveis. Madagáscar enfrenta uma crise de fome face aos 4 anos de seca, com mais de 11 milhões de pessoas em situações de insegurança alimentar, observando-se pessoas a comerem folhas selvagens e gafanhotos, assim como o Sudão do Sul enfrenta uma crise de cheias, de escassez de alimentos e de conflitos étnicos. Para combater as alterações climáticas e reduzir a pressão sobre as florestas, a República Democrática do Congo quer colocar entraves à exportação de madeira. Ainda este ano, a erupção do vulcão Nyiragongo provocou, ainda, a deslocação de milhares de pessoas e o desaparecimento de outras.

A previsão para 2022 aponta para um ligeiro aceleramento da vacinação, no entanto, os cenários de surgimento de novas variantes devem permanecer, principalmente na África, com a permanência de apenas uma diminuta parte da população vacinada. Os laços internos da CPLP devem ir-se expandindo, especialmente em cenários para a cooperação estratégica no desenvolvimento dos PALOP, de aspetos de administração interna à manutenção da paz. Por outro lado, o mesmo não se deve verificar, e sim agravar, principalmente nos países cuja estabilidade se encontra abalada pela ingerência do Daesh, apesar da ZCLCA começar, aos poucos, a fomentar a criação de laços para uma União Africana mais próxima e integrada e desenvolver uma resposta e projeção internacional agregada, assim como alguns processos de transição de poder devem abrir espaço para a criação de novas democracias ou reformas estruturais. De maneira geral, o impacto ambiental deve continuar a agravar-se, dado que a problemática está fragilizada por todo o planeta.

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