Entre a Espada e a Parede: A história das relações diplomáticas da Venezuela com Washington e Moscovo

A situação política e económica na Venezuela tem vindo a receber cada vez mais atenção mediática nos últimos anos. Muitos politólogos e analistas políticos têm vindo a descrever este país da américa latina como um autêntico “barril de pólvora” prestes a implodir. No meio deste clima de constantes pequenas e grandes crises, o posicionamento geopolítico da Venezuela tem vindo a ser um tópico de discussão bastante aceso por parte da comunidade internacional. Tendo como principal tópico de análise a relação harmoniosa que o regime sediado em Caracas detém (aparentemente) para com o regime russo e simultaneamente as relações bilaterais ruinosas com os Estados Unidos da América.

Esta dinâmica geopolítica, contudo, nem sempre fora assim. Já esquecidos são os tempos em que a Venezuela era um dos principais parceiros dos Estados Unidos da América no combate na “Guerra contra as Drogas” ou quando os Venezuelanos se viram obrigados a romper as relações diplomáticas com a União Soviética após a deportação de dois alegados espiões soviéticos no século XX.

Para compreendermos a aliança política, económica e militar entre a Federação Russa e a Républica Bolivariana da Venezuela é necessário primeiramente compreender a atual situação política neste país assim como a sua história recente.

Era uma vez em Caracas…

Nos últimos anos do século XX a Venezuela ultrapassou uma época de grande instabilidade económica, que acabou por culminar na necessidade de um programa de resgate por parte do Fundo Monetário Internacional e a medidas de austeridade. Para agravar a situação, o Presidente venezuelano Perez foi impeached devido a acusações de corrupção em 1993 aumentando o descontentamento da população para com o regime. (BBC, 2019)

O então coronel Hugo Chávez (que já tinha liderado duas tentativas de golpe de estado nos anos 90) concorre às eleições presidenciais de 1999. Acaba por ser eleito graças ao desencanto do povo venezuelano para com os partidos do sistema. Após a sua tomada de posse o seu governo lançou a chamada “Revolução Bolivariana” implementando uma nova constituição, políticas sociais e económicas socialistas e populistas financiadas pelas remessas da exportação de produtos petrolíferos a preços elevados. O país também começou a adotar uma política externa cada vez mais antagónica para com os EUA. Foi também neste momento que o novo líder venezuelano procurou aprofundar as relações diplomáticas entre o seu país e a Rússia, liderada pelo recentemente eleito Vladimir Putin.  (VOX, 2017)

Os primeiros anos do seu governo foram marcados por grandes avanços do ponto de vista de desenvolvimento do país, por grandes projetos públicos financiados pela exportação de produtos petrolíferos e o Presidente deteve níveis de popularidade elevadíssimos. Esta popularidade era particularmente notável na população mais pobre do país. As políticas de redistribuição de terras e de riqueza implementadas pelo seu governo conseguiram tirar muitas pessoas da pobreza extrema e geralmente elevaram o nível de vida da maioria da população. (VOX, 2017)

Contudo, a elevada dependência do setor petrolífero e o receio por parte de uma cada vez maior fatia da população do controlo político e económico do presidente levou a um aumento progressivo do descontentamento para com o regime. Nos últimos anos da sua presidência a Venezuela já estava a apresentar um aumento significativo da inflação e dos níveis de criminalidade. (Martz, 2021)

Apesar destes fatores Hugo Chávez conseguiu vencer todas as eleições a que se candidatou como Presidente, tanto em 2006 como em 2012. Contudo, Chávez nunca chegou a tomar posse após a sua eleição em 2012 devido a complicações médicas, tendo falecido no dia 23 de março do ano seguinte após uma luta de dois anos contra o cancro. (BBC, 2019)

Chávez já tinha nomeado o seu vice-presidente, Nicolas Maduro, como seu sucessor antes de falecer. Maduro conseguiu vencer, por uma margem pequena, as eleições presidenciais de 2013 e tem governado o país desde então. (BBC, 2019)

 O seu mandato tem sido marcado por grandes dificuldades económicas (com níveis de inflação e pobreza elevadíssimos) e um aumento significativo da contestação interna e externa para com a sua governação.

“Amigos Improváveis?” – Rússia & Venezuela

 A Rússia é historicamente um dos principais aliados geostratégicos do governo de Caracas. As relações diplomáticas e os laços políticos entre os dois países tiveram uma aproximação muito maior logo na viragem do milénio, nos primeiros anos do governo de Hugo Chávez e do presidente russo Vladimir Putin. Esta aproximação tem uma especial relevância considerando que durante os anos da velha URSS as relações entre estes dois países não eram de todo as melhores. Para este efeito relembro a expulsão de dois alegados espiões soviéticos do território venezuelano em 1956 levando a uma quebra total das relações diplomáticas dos dois países durante boa parte da segunda metade do século XX. (Schwartz, 2020)

Na perspetiva de Moscovo a aliança diplomática com a Venezuela é uma oportunidade de manter uma posição firme na América Latina, promover o papel da Rússia no plano internacional como uma potência global e assim desafiar os interesses dos Estados Unidos na região.

As relações frutuosas entre Caracas em Moscovo têm sido particularmente evidentes nos últimos anos. A Venezuela já comprou cerca de 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik-5 e em 2021 celebraram um novo contrato para a compra da segunda vacina russa contra o coronavírus, a EpiVacCorona. (Jraissati, 2021)

A Rússia é também um parceiro militar de longa data da Venezuela e um dos seus principais fornecedores bélicos. No passado a Venezuela investiu milhões de dólares na aquisição de material bélico russo desde aviões militares (como o caça SU-30), a blindados (como o tanque de combate T-72) e armamento ligeiro. (Schwartz, 2020)

 Esta parceria diplomática e militar com a Rússia também tem o efeito de assegurar a sobrevivência do próprio regime de Maduro. O Kremlin não se tem limitado a proteger o regime venezuelano das sanções e condenações do Conselho de Segurança da ONU, mas também tem enviado apoio militar para o país e emitido vários avisos sobre a gravidade das consequências de uma possível intervenção militar estrangeira na Venezuela. (Jraissati, 2021)

Para aqueles que desejam ver uma democracia próspera a emergir no país, esta última condição acaba por tornar este cenário bastante improvável. Conhecendo os objetivos de política externa da Rússia, a perda de um aliado estratégico na América do Sul seria demasiado custosa para Moscovo. (Schwartz, 2020)

Já desde 2015 que a Rússia tem vindo a ser uma peça fundamental no desfecho da Guerra Civil na Síria. A intervenção militar russa na Síria na defesa do ditador Bashar al-Assad acabou por ser decisiva para a continuação deste no poder e demonstra a dedicação de Vladimir Putin na defesa de regimes favoráveis aos interesses russos no estrangeiro. (Schwartz, 2020)

Uma relação complicada – EUA & Venezuela

Até 1999 os EUA e a Venezuela mantinham relações bilaterais bastante harmoniosas. Tais relações eram caracterizadas por um fluxo comercial significativo e por cooperação no combate ao narcotráfico no continente. Após a ascensão de Hugo Chávez em 1999, as relações têm vindo progressivamente a deteriorar-se após cada administração norte-americana, levando a vários momentos de tensão nos últimos anos. (Valuetainment, 2019)

 As relações entre ambos os países pioraram significativamente depois da acusação por parte do governo venezuelano da tentativa da administração de George W. Bush tentar apoiar uma tentativa falhada de golpe de estado em 2002 contra Chávez. (BBC, 2019)

 Em 2008 as relações vieram a deteriorar-se ainda mais após a expulsão do embaixador norte americano da Venezuela. Esta ação foi justificada pelo regime de Chávez como um ato de solidariedade para com a Bolívia, após o embaixador dos EUA ter sido acusado de cooperar com grupos antigovernamentais violentos na Bolívia. (BBC, 2019)

A relação hostil entre os dois países foi ligeiramente apaziguada durante os primeiros anos da administração do Presidente Barack Obama, apesar de se terem novamente deteriorado pouco depois. Em fevereiro de 2014, o governo venezuelano exigiu a expulsão de três diplomatas norte americanos do país sob a acusação de promoverem a violência contra o regime. Em 2015, num discurso do estado da união, o próprio Barack Obama declarou que a Venezuela era uma ameaça à segurança nacional americana. (BBC, 2019)

Durante o mandato de Obama o regime venezuelano veio a aproximar-se mais dos principais rivais geopolíticos dos EUA, como a Rússia (tendo reconhecido a legitimidade da anexação da Crimeia em 2014), a China e o Irão (reconhecendo o direito destes de produzir energia nuclear internamente e quebrando relações diplomáticas com Israel). Durante esta época o governo venezuelano também se opôs ao rumo da política externa norte americana, condenando o assassinato do terrorista Osama Bin-Laden por parte dos EUA em 2014 e a intervenção da NATO na Líbia, ambos em 2011. (BBC, 2019)

As relações entre ambos os países atingiram o cúmulo da hostilidade em 23 de janeiro de 2019, durante a crise presidencial venezuelana, onde Nicolás Maduro anunciou que a Venezuela iria quebrar todos os laços diplomáticos com os Estados Unidos após o anúncio do presidente Donald Trump de que os EUA reconheciam Juan Guaidó, o líder da oposição venezuelana, como Presidente interino. As relações entre ambos os países tinha atingido um ponto tão crítico que certos jornalistas e analistas políticos chegaram a antever uma possível intervenção militar dos EUA no país. (BBC, 2020)

Felizmente em 26 de janeiro de 2019, Maduro voltou atrás na sua decisão, neutralizando a situação. As relações entre ambos os países voltaram e deteriorar-se no ano passado quando dois ex-soldados das forças especiais dos EUA estavam entre os mercenários capturados em maio de 2020 numa tentativa falhada de capturar o Presidente venezuelano. O Presidente Maduro afirmou que esta operação tinha sido orquestrada pelo governo dos Estados Unidos, algo que o Departamento de Estado dos EUA decidiu não comentar… (Ward, 2020)

Já desde 2014 que um pesado conjunto de sanções económicas impostas maioritariamente pelos Estados Unidos tem vindo a “estrangular” a economia venezuelana, efetivamente dificultando acesso de uma grande parte da população a alimentos, medicamentos, combustível, eletricidade confiável e até água potável. (Mello, 2020)

Nos primeiros 100 dias da sua administração o Presidente Joe Biden e a sua equipa já mostraram sinais que vão continuar a reconhecer Juan Guaidó enquanto Presidente interino do país. Resta ver se a sua administração continuará o processo de hostilidade para com o regime de Maduro, como as administrações antecedentes, ou optar por uma nova estratégia. (Contacto, 2021)

Referências Bibliográficas

BBC . “Venezuela crisis: How the political situation escalated.” BBC News. 3 de Dezembro de 2020. https://www.bbc.com/news/world-latin-america-36319877.

BBC. Venezuela profile – Timeline. 25 de Fevereiro de 2019. https://www.bbc.com/news/world-latin-america-19652436.

Contacto. “Joe Biden rejeita mudanças bruscas em relação à Venezuela e Cuba.” Contacto. 10 de março de 2021. https://www.wort.lu/pt/mundo/joe-biden-rejeita-mudancas-bruscas-em-relac-o-a-venezuela-e-cuba-6048b1a0de135b9236079148.

Jraissati, Jorge. “Venezuela strengthens relationship with Russia.” AA. 1 de abril de 2021. https://www.aa.com.tr/en/americas/venezuela-strengthens-relationship-with-russia/2194688.

Martz, John D. “Venezuela.” Encyclopedia Britannica. 16 de Maio de 2021. https://www.britannica.com/place/Venezuela.

Mello, Michele de. “Em seis anos de bloqueio, Venezuela foi alvo de 150 sanções e 11 tentativas de golpe.” Brasil de Fato. 08 de outubro de 2020. https://www.brasildefato.com.br/2020/10/08/em-seis-anos-de-bloqueio-venezuela-foi-alvo-de-150-sancoes-e-11-tentativas-de-golpe.

Schwartz, Andrew. “An enduring relationship – from Russia with love.” Center for strategic and international studies. 24 de setembro de 2020. https://www.csis.org/blogs/post-soviet-post/enduring-relationship-russia-love.

Valuetainment. “Venezuela Collapse Explained.” Youtube. 26 de fevereiro de 2019. https://www.youtube.com/watch?v=OUltZmKqfmM.

VOX. “The collapse of Venezuela, explained.” Youtube. 25 de agosto de 2017. https://www.youtube.com/watch?v=S1gUR8wM5vA.

Ward, Alex. “The “ridiculous” failed coup attempt in Venezuela, explained.” VOX. 11 de Maio de 2020. https://www.vox.com/2020/5/11/21249203/venezuela-coup-jordan-goudreau-maduro-guaido-explain.

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