Cinema: do Ocidente ao Oriente, Pontes e Oceanos

Texto redigido por: Juliana Fernandes

Como o título sugere, este é um artigo de sugestões de filmes na linha de outros da PACTA, que poderás consultar aqui e aqui. Desta feita, o tema é: do Ocidente ao Oriente, o que nos liga (pontes) e o que nos separa (oceanos). Com efeito, os quatro filmes/documentários adiante resumidos têm em comum a sua abordagem a temas que reflectem a relação histórica de algumas das maiores potencias do Ocidente e Oriente, alguns dos maiores factores de tensão entre si e alguns dos maiores factores de admiração recíproca. Abordando um contexto com início no pré-Segunda Guerra Mundial até ao presente; do Reino Unido e EUA à Rússia, China e Coreia do Norte, estas são as nossas sugestões:

Mr. Jones (2019) é um filme biográfico baseado numa história real sobre Gareth Jones, um jornalista britânico tornado célebre por entrevistar Adolf Hitler e pela sua amizade com Lloyd George – o Primeiro Ministro do Reino Unido antecessor de Winston Churchill. Tomando lugar em 1933, o filme inicia-se com a introdução ao personagem principal e a sua pretensão de entrevistar Estaline, motivo que o levaria a viajar à URSS, abordando posteriormente “a questão soviética” no desenrolar de uma viagem de descobrimento iniciada em Moscovo. O protagonista visita posteriormente a Ucrânia, onde descobre uma realidade sombria de fome e miséria, o Holodomor; com efeito, não fosse Jones, o Holomor poderia nunca ser descoberto, podendo por isso ser considerado uma figura decisiva do séc. XX, embora esquecida, não só por dar a conhecer este aspecto oculto da URSS, Estado socialista que granjeava até então uma boa imagem no seio de algumas elites culturais ocidentais, como por influenciar decisivamente George Orwell na sua obra literária – outra figura que marca presença no filme. Assim, Mr. Jones exemplifica historicamente a dificuldade de conhecer a realidade de regimes autoritários fechados que, atraídos por uma utopia e perante dificuldades em concretizar os seus almejados desígnios, buscam esconder as suas fraquezas por detrás de um véu de secretismo e propaganda. É também um aviso para o futuro, um apelo à consciência de quem tudo faz e tudo justifica para poder fazer vingar os seus ideais políticos e filosóficos, até que a verdade seja descoberta.

American Factory (2019) é um documentário vencedor do Óscar da sua categoria em 2019 que retrata os grandes benefícios e as grandes dificuldades laborais de uma equipa multinacional e multicultural. É tanto sobre as suas dificuldades em comunicar e em conviver como sobre o inevitável criar de laços entre duas comunidades que falam diferentes línguas, quando trabalham em equipa. Tomando lugar em Ohio, nos EUA, o filme acompanha os primeiros passos de uma nova fábrica de produção de vidro dum magnata chinês, uma indústria que entrou em colapso devido à globalização, aplicação de novas tecnologias e consequente automatização. Tendo em conta esta nova oportunidade para muitos trabalhadores americanos e a dedicação e vontade de aprender de uma equipa chinesa qualificada a viver temporariamente nos EUA, o filme inicia-se com muito optimismo e a vontade comum de fazer prosperar a nova fábrica. No entanto, o ambiente entre trabalhadores vai-se deteriorando, ao encontrarem incompatibilidades entre os seus métodos de trabalho: por um lado os trabalhadores estrangeiros escolhem o isolamento devido à progressiva desconfiança na eficiência, empenho e métodos locais; por outro, os americanos desconfiam da motivação e soluções utilizadas pelos seus coordenadores, insatisfeitos sobretudo devido à húbris manifestada pela outra parte. As saudades da terra natal e famílias dos trabalhadores chineses, assim como o reconhecimento e admiração mútua laboral e pessoal, revelar-se-iam porém motivos de socialização e de criação de laços entre as duas comunidades, numa descoberta conjunta do enorme potencial que só o trabalho de uma equipa unida e motivada com diferentes especializações e contribuições pode alcançar. Em essência, este é um filme sobre relações internacionais – sobre a importância do trabalho conjunto ao enfrentar desafios comuns, a riqueza na diversidade e partilha de experiências e culturas, assim como o valor insubstituível da cooperação perante as suas diferenças e interesses próprios.  

Joshua: Teenager vs. Superpower (2017) revela a contradição entre a liberdade de pensamento independente e o sentimento de nacionalismo e patriotismo. O documentário de Joe Piscatella conta como Joshua Wong se tornou um líder improvável apenas aos 14 anos. O jovem, fundador do movimento pró-democrático Escolarismo, liderou os protestos contra a ingerência da China em Hong Kong, defendendo a liberdade de expressão e pensamento, em oposição à implementação da Educação Nacional, anunciada em 2012. O filme é um apelo de Wong à autonomia subscrita no acordo sino-britânico e na política de “Um país, dois sistemas”, dando a compreender como a implementação da Educação Nacional e o facto de Pequim nomear o chefe executivo da Região Administrativa Especial são medidas contraditórias a estes principios. As filmagens evidenciam o sentimento de pertença a uma Nação experienciado por muitos membros da nova geração de Hong Kong, que não se conhecem como parte da República Popular da China (RPC). “Joshua: Teenager vs. Superpower”, disponível na Netflix, está na linha de “Hooligan Sparrow“, também relativo a uma activista que deixa a descoberto as políticas controversas da RPC. Em 2017, a obra foi reconhecida com o prémio de audiência (na categoria de “Cinema  do mundo – Documentário”) no Sundance Film Festival. 

Under the Sun (2015), realizado por Vitaliy Manskiy, é um filme que segue a vida de uma menina da Coreia do Norte, bem como dos seus colegas de escola e pais, ao longo de um ano. A Coreia do Norte é vista como a terra debaixo do sol pelos seus cidadãos, um símbolo do eterno guardião Kim Il-Sung, mas é facto que o regime totalitário é um dos maiores exemplos ditatoriais do mundo actual. Contudo, a verdade é que o país permanece um mistério, principalmente a forma como vivem os seus cidadãos, pelo que são reduzidos os documentários relativos a estas questões, até porque não é permitido filmar sem arriscar consequências penais devastadoras. Para conseguir filmar as cenas do documentário, o realizador obteve autorização da Coreia do Norte, com a condição de seguir um guião restrito entregue pelo Governo. Mas há um plot twist aqui, pois algumas filmagens são conseguidas nos momentos entre as cenas escritas, o que evidencia a realidade dissimulada que se pretende passar para o exterior, representada por alguns cidadãos perante as câmeras, revelando a urgência de mostrar ao resto do mundo que são um país próspero e de valores superiores. Sem recurso a comentários políticos, o realizador centra-se em imagens e, de uma forma quase sinistra, podemos verificar a hipócrisia por detrás do regime norte coreano, que apenas mascara os problemas políticos e sociais, com o fim de manter um status quo em que só eles acreditam. Por isso, pode ser visto como um documentário de propaganda revelador de alguns factos ocultos, para além de ser uma produção que transparece uma enorme qualidade estética e cinematográfica, atestada pelas nomeações e prémios recebidos em Festivais de Cinema.

Este texto foi escrito em colaboração com Hugo Neves.

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