Tendencialmente, olhamos para o Mundo Ocidental na procura de referências para a nossa forma de comportamento, não apenas no que trata a organização política, mas também em termos culturais. Não é estranho para ninguém que talvez os Estados Unidos da América sejam o nosso ponto de referência político. No mundo ocidental, a nossa partilha de valores liberais e democracia é o que mais nos aproxima, mas mesmo culturalmente, embora haja diferenças, somos relativamente parecidos.
O Professor Joseph Nye define poder como a “capacidade de influenciar outros de forma a obter os resultados que se prefere, podendo ser obtido por meio de coerção, pagamentos, ou atracção e persuasão”, desta forma o conceito de poder divide-se assim em duas vertentes, hard e soft power, embora tenha surgido mais recentemente o conceito de Sharp power. O primeiro relacionado com a coerção, através de meios militares ou económicos, o segundo relacionado com a capacidade de atracção de um país, em termos culturais, valores políticos e das suas políticas. Se olharmos para o outro lado do mundo, o primeiro país que me ocorre é o Japão. Podemos ver como estes influenciaram, e continuam a influenciar, o Ocidente naquilo que foram várias ideias e invenções que catapultaram o país para se tornarem um exemplo de utilização do soft power. Manga, anime, cosplay, a Nintendo, Pokémon, karaoke, a Playstation são apenas alguns exemplos de invenções e conteúdos que surgiram no país do sol nascente e que foram integrados nas nossas vidas.
É no pós Segunda Guerra Mundial, depois de duas bombas atómicas atingirem Hiroshima e Nagasaki em 1945, que levaram o Japão a render-se aos Estados Unidos e colocar um ponto final na guerra, e a uma mudança drástica no seu posicionamento perante o sistema internacional. Muitos argumentariam que o natural seria o Japão guardar rancor e vingar-se dos Estados Unidos por todos os danos causados, mas é aqui que o Japão se destaca. Engoliu o orgulho, “guardou” o rancor e procurou alternativas de como entrar na nova ordem mundial. Com a indústria destroçada pelos danos e pela subsequente ocupação americana até 1952, estagnando a economia e a produção, o Japão procurou alternativas para revitalizar a economia.
No livro Pure Invention, Matt Alt, percorre a história de várias criações que permitiram revitalizar a economia japonesa, também com a ajuda dos EUA com a abertura do seu mercado, nos anos que ficaram conhecidos como o milagre económico japonês. Este livro percorre todo o processo, pouco antes da 2.ª Guerra Mundial, contextualizando a situação que o país passava, começando no pequeno carro de brincar, o Graham Blue Streak de 1933 de Matsuzo Kosuge, o mesmo que voltou a criar, novamente um jipe de brincar, mas tendo por base os veículos utilizados pelos americanos durante a ocupação, aproveitando as latas de conservas que eram utilizadas pelos americanos, e apelar aos mercados externos. Como é perceptível para os americanos tratava-se do carro que representava os heróis da guerra, portanto o elemento apelativo existia. Para as crianças japonesas, o símbolo da ocupação, também se tornou na verdade num elemento de esperança, num momento em que o país estava em ruínas, as crianças encontraram no novo brinquedo uma forma de se divertirem e “esquecerem” a sua condição temporariamente.
O que começou com brinquedos, rapidamente passou para desenhos animados (anime), com o Astro Boy a ser a face de uma nova era de animação, animações estas que um dia iriam vencer a Disney no Óscar de Melhor Animação em 2002, com o filme A Viagem de Chihiro de Hayao Miyazaki. Não esquecendo que a anime japonesa tem muitas influências ocidentais, é por isso que é muito raro vermos personagens que tenham fisionomias características japonesas, o inverso também se aplica, com animes a terem influência em filmes como, o Matrix. Durante a década de 1970s, o que descreve melhor as criações japoneses, é a palavra kawaii, a tradução mais próxima em português é fofa. Embora já tivessem existido outros anteriormente, e serem uma imagem de marca nos brinquedos e na animação, a Hello Kitty foi marcante. Inicialmente um porta-moedas, mas o sucesso que fez fora do Japão levou a que a Sanrio, alargasse a oferta para brinquedos, utensílios, merchandise, e até aviões passaram a ter publicidade da Hello Kitty, que tornaram a empresa numa das maiores franquias de média do mundo, em 2019 era um negócio de 80 mil milhões de dólares, em segundo lugar, apenas atrás do Pokémon, também uma franquia japonesa. A demonstração de kawaii nas diversas áreas conseguiram tornar o Japão apelativo, e com o tempo mudar a percepção dos restantes países de um aliado do regime Nazi, para um sítio agradável e inovador.
É durante a década de 90 e após, com a globalização e a massificação da internet, surgem criações de brinquedos com base nas animes, e também a “gamificação” do mundo, com a criação do GameBoy e jogos como o Pac-man ou Pokémon, mesmo estando em queda economicamente, a influência cultural japonesa só cresceu, ainda mais que nos anos de 1980s quando era uma potência económica. Mais recentemente, podemos indicar as animes, manga e música j-pop como os mais conhecidos elementos da cultura japonesa, sem esquecer a cozinha, arquitectura e artes.
Durante todos estes anos, o Japão nunca esqueceu a importância da sua imagem. Com a entrada da administração de Shinzo Abe em 2012, que viria a durar até 2020, e com o objectivo de revitalizar a economia, introduziu uma iniciativa que visava promover a cozinha, moda e cultura japonesa, como parte da diplomacia pública da administração, designada por “Cool Japan Initiative”. A criação desta iniciativa, sobre a tutela do Ministério da Economia, Comércio e Indústria, demonstra a importância que é dada à cultura, e a forma de como é utilizada para a promoção do país. Através de uma série de medidas, como a criação de eventos, promoção televisiva, parcerias público-privadas, o Japão tem vindo a demonstrar a sua cultura, algo que para nós ocidentais, foi quase que incorporado na nossa, é só vermos as animações que passam diariamente nas nossas televisões, os dispositivos que utilizamos e a comida que comemos.
A sua história demonstra que de situações difíceis e extremamente complexas, é possível reviver. Para nós, ocidentais, o Japão é um exemplo da utilização das artes, cozinha, animação, brinquedos, arquitectura para promover o país, aumentar o turismo, atracção e fomentar a economia. Uma verdadeira superpotência de soft power.
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