A Corrida Geopolítica do 5G: China, EUA, Brasil – uma perspetiva.

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise das implicações geopolíticas do desenvolvimento do Sistema 5G de Telecomunicações na atual dinâmica da Política Internacional, que, por sua vez, é o fundamento do Sistema Internacional. Ele engloba dois atores-chave, além da posição de um terceiro país periférico na corrida geopolítica do 5G e seus efeitos nas Relações Internacionais de todo o mundo.

Inicialmente, é necessária uma breve elucidação das questões técnicas para se estabelecer a dimensão do impacto dessa tecnologia na política internacional. Nos últimos 30 anos, uma nova geração de sistemas de comunicação móvel surgiu a cada década.

Como Chegamos Aqui?

A primeira geração foi o 1G, a partir da década de 1980, que possibilitava as ligações por meio de telemóveis. A novidade era a possibilidade de realizar chamadas em qualquer lugar. A segunda geração, 2G, surgiu nos anos 1990. Ela nos permitiu, além de falar ao telemóvel, enviar mensagens de texto. O 3G surgiu na década de 2000; era possível utilizar dispositivos de banda larga, ou seja, com internet mais rápida, por meio da qual os usuários conseguem baixar arquivos. Recentemente, o 4G foi introduzido. Nossos telemóveis, agora “smartphones”, tornaram-se computadores de bolso cuja velocidade e número de aplicativos disponíveis cresceram exponencialmente.

Estamos, agora, chegando à evolução 5G, que transformará o uso da conectividade móvel. Toda a tecnologia com acesso à internet e dados, seja fixa ou móvel, faz parte desse novo cenário. A parte crucial dessa transformação não se limita ao uso de telemóveis, mas engloba uma série de sensores, equipamentos, máquinas e robôs. Em suma, uma vasta gama de diferentes tipos de aparelhos será conectada (e controlada por) uma mesma rede. Existem três características desta nova tecnologia que a tornam tão única e poderosa.

A primeira é a velocidade da banda larga. A potência dos equipamentos da era 5G pode ser até 100 vezes maior do que a dos 4G. Estamos falando de informações (desde a qualidade de imagens e vídeos a dados de fato) que podem ser obtidas quase instantaneamente. Um exemplo disso é o uso da realidade aumentada. Com esta velocidade de tráfego de informações, será possível utilizar a realidade aumentada em diversas situações. Imagine aplicações podem ser utilizadas ​​na medicina, desde aqueles de e-medicine e consultas remotas até sensores que enviam sinais vitais instantâneos ao médico, permitindo-lhe monitorar a saúde do paciente em questão de segundos. Ou mesmo a transmissão de jogos desportivos; ser capaz de assistir a uma partida a partir de vários ângulos ao simultaneamente, por meio de várias câmaras. Só é possível acessar todas elas com a velocidade de transmissão incrivelmente alta que os sistemas 5G oferecem.

A segunda característica das tecnologias 5G é o tempo de latência, ou seja, a quantidade de tempo que uma máquina leva para se comunicar com outra na mesma rede. Esse processo será tão inferior que aplicações tecnológicas que hoje não funcionam poderão fazê-lo por meio de dispositivos 5G. Exemplos são fábricas totalmente automatizadas e carros que se dirigem autonomamente. Eles não são possíveis sem uma baixa latência; não é possível informatizar uma fábrica inteira, com máquinas respondendo a constantes novos sinais e novos dados, sem um sistema desse tipo.

A terceira e última característica notável é a comunicação massiva entre máquinas. Estamos falando da Internet das Coisas (IoT, do inglês), em todos os equipamentos que temos, desde smartphones até eletrodomésticos e os mais variados tipos de eletrónicos, todos eles conectados à mesma rede de internet.

Implicações Geopolíticas

Agora que os fatores técnicos do 5G estão um pouco mais esclarecidos, vamos abordar suas implicações geopolíticas.

Por se preocuparem em posicionarem-se política e economicamente à frente das mudanças globais, os países precisam estar sempre atentos para onde está indo o desenvolvimento da economia e se estão bem posicionados em relação aos processos que o envolvem. Este é o jogo geopolítico.

Estamos falando de uma tecnologia altamente revolucionária que transformará completamente as economias mundiais, seja em oportunidades de trabalho seja em novos negócios, novas aplicações, novas utilidades que surgirão desse processo. O 5G mudará as próprias estruturas da economia e indústrias mundiais.

O elemento “geo” aqui diz respeito à infraestrutura 5G. Esta é uma nova tecnologia, que, como qualquer outra, precisa estar estabelecida em determinadas estruturas tecnológicas. Essa base física é uma dais principais disputas geopolíticas do momento e, provavelmente, das próximas décadas. A questão não envolve simplesmente os processos da internet e das telecomunicações, mas os diversos equipamentos e estruturas no seio dos quais os processos em questão ocorrem – como antenas, cabos submarinos, satélites. Novas antenas são necessárias para transmitir as diferentes frequências das ondas de rádio que suportam o 5G. É aqui que o papel daqueles que as produzem passa a ser considerado e onde o xadrez geopolítico começa mais concretamente.

Existem cinco grandes produtoras de infraestrutura para a tecnologia em pauta: Huawei, ZTE, Ericsson, Nokia e Samsung. Duas delas são chinesas.  No entanto, as relações das empresas chinesas com o governo do Partido Comunista Chinês (PCC) são diferentes daquelas que outras empresas têm em outros países. A China opera no chamado sistema capitalista de estado, o que significa dizer que é o Governo que controla as atividades económicas e a maioria das empresas.

Embora a Huawei – maior fabricante de equipamentos de telecomunicações do mundo – seja uma empresa privada, o seu fundador, Ren Zhengfei, fora membro do exército chinês, o que demonstra como, neste país, as relações entre os proprietários de grandes empresas não estatais e o regime são influenciadas, no mínimo, pelo fato de aqueles fazerem ou terem feito parte do Partido Comunista, do Governo ou do exército. Isso significa que as relações que as empresas chinesas, ainda que privadas, têm com o Estado são diferentes das que a Nokia ou a Ericsson, por exemplo, podem ter em seus respetivos países.

A partir daí, a conexão entre economia e política é muito clara. Primeiro, porque a China é uma ditadura controlada pelo Partido Comunista Chinês. Como o PCC influencia as empresas do país, as estruturas de comunicação por elas fabricadas ficarão, mais ou menos indiretamente, nas mãos deste grupo, que é, no mínimo, muito perigoso.

Ninguém quer que a privacidade, os dados, os segredos, as tecnologias, as descobertas e basicamente tudo de mais importante em todos os países do mundo estejam nas mãos da referida casta política. Em termos de cibersegurança, segurança de dados e informações estratégicas importantes, entregar a estrutura de comunicação global a duas empresas controladas por uma única entidade é extremamente alarmante. E é aí que o jogo geopolítico se intensifica.

Claro, a China não é boba e quer estar à frente, liderar a nova tecnologia 5G, porque entende a importância que isso terá para o mundo – não só a China como também vários outros países. Por isso o assunto se tornou tão relevante. É importante destacar (1) a questão do orgulho dos chineses em serem os líderes e os primeiros a implantar e vender o 5G – ou, ao menos, sua infraestrutura – para todo o mundo.

Soma-se a (2) questão económica do quanto eles vão ganhar com a venda desse equipamento. Além disso, por fim, constata-se a (3) questão estratégica do próximo passo na fronteira tecnológica, tendo em vista que foram as inovações tecnológicas (como máquina a vapor, o telégrafo, a imprensa, a internet) que concederam aos países criadores vantagens no seu desenvolvimento. Em suma, as inovações tecnológicas fornecem recursos para a obtenção de poder, dominação e ganhos económicos àqueles países que estejam à frente na corrida (fatores que deixam autores realistas em êxtase).

Obviamente, os chineses querem estar nessa posição, mas outros países, principalmente os desenvolvidos, como os EUA, estão muito preocupados com a possibilidade de eles acessarem todos os dados de tudo o que acontece no mundo. Não apenas informações pessoais de smartphones, mas também da própria internet das coisas, de equipamentos domésticos de conexão que podem ser acessados pelo Partido Comunista Chinês. Não apenas quando estiverem em movimento ou conversando com outrem, ou, ainda, enviando mensagens de texto, mas também ao usarem quaisquer outros equipamentos eletrónicos, indivíduos do mundo inteiro estarão vulneráveis.

O Governo chinês está investindo pesado, com incentivos e subsídios, para que a Huawei produza os equipamentos necessários à implantação do 5G. O PCC chegou a ordenar que as três empresas estatais de telecomunicações do país (China Mobile, China Telecom e China Union) instalassem o 5G, oferecendo todos os recursos necessários.

Em países como Brasil e Estados Unidos, o lançamento de uma nova geração costuma ser feito por meio de leilões do Governo, que vende para as empresas de telecomunicação (como, no caso do Brasil, Claro, Oi e Vivo) a faixa de frequência operacional adequada. Por outro lado, na China, o próprio Governo está a distribuir à vontade a frequência 5G, na ânsia por estar à frente desta corrida.

A maior preocupação, nesse contexto, é com a posse pelo Partido Comunista Chinês de uma ferramenta sem precedentes para espionar todo o planeta. Algo nunca antes visto.

Sun Tzu, um dos fundadores da Estratégia e autor do famoso livro “A Arte da Guerra”, tem, em sua teoria, como um dos principais pilares, a Inteligência, que é mesmo a espionagem, os processos de obtenção de informações e dados. Ele diz que só se pode vencer a guerra com uma boa inteligência e, assim sendo, atribui enorme importância à espionagem em termos de prática estratégica.

Hoje em dia a espionagem e as informações coletadas via tecnologia, portanto, são cada vez mais relevantes, principalmente em um mundo onde tudo é digital.

A Retaliação

Os Estados Unidos estão liderando uma frente de contenção para evitar que a Huawei e o Partido Comunista Chinês tenham acesso a tanta informação de todo o mundo. Eles impuseram várias sanções à produtora, proibindo as empresas americanas de comprar equipamentos chineses e pressionando os seus aliados a adotarem a mesma postura.

De fato, muitos outros países a tem adotado não apenas por causa da pressão americana, mas também porque se também preocupam com os seus dados. Os primeiros foram os ingleses, que recuaram no processo de compra dos equipamentos da Huawei, depois voltaram atrás, recebendo sanções ainda mais severas dos EUA e, por fim, optaram por não negociar com a corporação de Ren Zhengfei.

Os Estados Unidos pararam, também, de compartilhar informações sigilosas com os serviços de inteligência de países ainda vulneráveis ​​à patrulha chinesa. Fatores como esse estão, pois, mudando o comportamento de todos os Estados do Sistema Internacional. Outras sanções, ainda implementadas pelos EUA, incluem, por instância, penalidades para empresas que negociam chips com a gigante chinesa.

A Perspetiva de um País Periférico

A mesma polémica também chega ao Brasil, que realizará um leilão do 5G. Este país não está no centro da disputa geopolítica, mas pode ser fortemente afetado por ela.

A ponderação que o Brasil tem que fazer não só visando ao aspeto económico, mas também (e sobretudo) o pensamento geopolítico estratégico de até que ponto vale a pena pagar mais barato pelos aparelhos da Huawei mediante o risco de seus dados – tanto no que diz respeito a questões individuais/pessoais quanto de segurança nacional – nas mãos de outro país.

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Se o país latino-americano tiver, ainda, a sua infraestrutura e tecnologia de telecomunicações todas chinesas, se colocará em uma posição de vulnerabilidade e dependência demasiada grande em relação ao gigante asiático. Sem falar do isolamento para com outro grande e importante aliado que os Estados Unidos representam.

Ao fim e ao cabo, esta é a ponderação que deverá ser feita por basicamente todos os atores do atual Sistema Internacional.

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