Forecast Este Asiático

Se alguém dissesse que em 2020 estaríamos a travar uma batalha contra um vírus, e que teríamos de encerrar diversos sectores de actividades da sociedade, encerrar as fronteiras, e acrescentar ao nosso everyday carry uma máscara e um frasco de álcool gel, ninguém acreditaria. A verdade é que praticamente todos os temas que seriam assuntos em 2020 ficaram para segundo plano, passando o foco para o controlo da pandemia Covid-19. Como consequência, muitos dos processos, ou foram acelerados ou “desapareceram” durante o ano. O pós pandemia será especialmente relevante no que ao sudeste asiático diz respeito, começando pela questão da pandemia até à alteração do foco americano do Atlântico para o Pacífico.

A abertura da China, pela mão de Deng Xiaoping na década de 70, deu o mote para esta se tornar, em 4 décadas, na segunda maior economia mundial, permitindo alcançar o Ocidente em termos económicos e tecnológicos. Uma abertura, de certa forma, permitida pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria no combate à URSS, que acabou por beneficiar de um sistema internacional suportado pelo Bretton Woods.

É impossível falarmos do Este da Ásia sem mencionarmos a importância americana na região, não só pelo que à história compete e já mencionado, mas pelo que foram os últimos anos da política externa americana. O que vimos nos 4 anos da Administração Trump foi a continuação de uma política isolacionista que já se vinha a verificar desde o fim da Guerra Fria. Um afastamento e uma atitude mais “pesada” sobre os aliados tradicionais, levaram a UE a virar-se para outras parcerias e as tentativas de regular as taxas aduaneiras sobre a China, acabaram por iniciar uma guerra comercial em 2017, que passou a ser uma guerra tecnológica e geopolítica. A crise pandémica criou campanhas “anti-Pequim” na América e na Europa, ficando com um sinal de um adversário a ser combatido e de um novo foco para a política externa, especialmente a americana, levando a um raro apoio bipartidário. Apoio este, que se irá manter com Joe Biden, quando assumir a Presidência ainda este mês.

Enquanto há uns anos, a referência do Este e Sudeste Asiático poderia ser considerada o Japão, uma democracia com uma das maiores economias e forças militares do mundo, também com uma rápida ascensão e integração durante as décadas de 70 e 80, neste momento o mundo tem os olhos postos na China. Desde que Xi Jinping assumiu o poder, projectos como a Belt and Road Iniciative, o desenvolvimento militar e a mudança para uma mentalidade de superpotência, colocaram a China em posição de desafiar a Ordem capitalista e liberal.

A dinâmica do Sudeste Asiático irá tornar-se ainda mais relevante no pós pandemia, não só pela necessária recuperação económica regional, mas pela campanha beligerante chinesa para controlar a região, a mudança da atenção americana para o Pacífico e o escrutínio necessário à actuação chinesa, especialmente no que a Direitos Humanos e à origem do Covid-19 trata.

2021 traz grandes questões sobre a região, num ano de centenário do Partido Comunista Chinês e que deixa em suspense quais os seus objectivos, ou melhor, como vão alcançar esses objectivos.

Economia

Numa recessão generalizada, à qual as economias do sudeste asiático não escaparam, excepto a China e o Vietname que tiveram um crescimento, menor, mas ainda assim positivo. A dependência de alguns países sobre o turismo e exportações, tornou-os especialmente expostos, principalmente devido ao encerramento de fronteiras, uma das medidas necessárias para o combate à propagação da pandemia. Com a aprovação da vacina a tornar-se realidade em 2021, muitos dos países poderão gradualmente voltar a abrir a actividade económica.

Relativamente às duas maiores economias da ASEAN, a Indonésia e Tailândia, controlaram a pandemia inicialmente, mas um ressurgimento de novos casos durante o passado mês, estão a obrigar novas medidas a serem aplicadas, voltando ao encerramento da economia. Os dois países já demonstraram um interesse bilateral para a cooperação no pós pandemia.

Nas questões multilaterais, o Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP), um acordo assinado entre os membros do Indo-Pacífico, que juntou a China, a Coreia do Sul e o Japão no mesmo acordo, embora existam outros em que 2 deles sejam membros, este é o primeiro com a participação dos 3, demonstra um objectivo ambicioso para unir o mercado do sudeste-asiático. O acordo abrange cerca de 1/3 do PIB mundial e da população, com o objectivo de reduzir as tarifas e liberalizar o comércio entre os seus membros. Mantenho-me séptico sobre o acordo, uma vez que poderá aumentar a dependência dos restantes países sobre a China, mas também porque é um acordo em que os membros são todos países exportadores. Se olharmos para a agenda chinesa, é exactamente este o objectivo, aumentar a dependência dos outros países sobre si e diminuir a sua dependência dos outros países.

Por outro lado, o Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP), uma nova versão negociada do Trans-Pacific Partnership (TPP), pode entrar como rival do RCEP, isto caso os EUA voltem a entrar no acordo, balançando a influência chinesa, que poderá levar os EUA a pressionar para os países do sudeste asiático virarem-se para a América e não para a China.

A guerra económica entre os EUA com a China levou muitos Estados a reflectirem sobre as suas dependências e a procurarem a diversificação, com vários países a criarem incentivos para alterarem as suas cadeias de fornecimento para fora da China.

O Vietname foi um dos “beneficiados”. O rápido controlo da pandemia, permitiu o resumo da actividade económica, conseguindo até ao final do ano registar um pequeno crescimento. Para 2021, o Vietnam poderá recolher frutos da pandemia. A dependência sobre a China mostrou a necessidade de diversificar as cadeias de fornecimento, e o Vietnam é uma das opções, isto considerando que não é uma democracia e que não existe respeito pelos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. O trabalho barato tornam-os numa alternativa a considerar para substituir a China, ao ponto que vários países, como o Japão, criaram incentivos para as empresas saírem da China. É curioso notar que apesar de toda a crítica sobre a China, vários acordos continuam a ser feitos. Com isto, o Vietname pode vir a alcançar um crescimento de dois dígitos para 2021, juntando o acordo que assinou com a UE para a redução de tarifas.

Previsão: China continuará a expandir os seus investimentos económicos, especialmente tentando aumentar a dependência dos países da região do mercado Chinês e reduzindo a dependência da China dos outros mercados. Com a ajuda dos EUA, os vários países tentarão equilibrar a balança, possivelmente com a inclusão da Índia.

Política

Os protestos de Hong Kong em 2019 e 2020, a nine dash line, reivindicando de soberania do Mar do Sul da China, as questões de violação dos Direitos Humanos sobre os Uigures em Xinjiang, a censura, e várias outras questões aumentaram o número de preocupações sobre a actuação chinesa, com a pandemia a ser a última gota de água, para o Ocidente começar a questionar a actuação chinesa no sistema internacional, que há muito ignorava a questão, o ano de 2020 colocou a China em check. Se há coisa que a interferência em Hong Kong revelou, é que a confiança na China para a manter a sua palavra num acordo, pode e deveria de ser questionada. Não é de esperar que a China abrande na sua actuação, aquilo que estaria em segundo plano para 2020, será agora explorado, seja Caxemira, Taiwan, disputas no Mar do Sul da China ou a Austrália.

A questão política mais relevante passará sempre pelos EUA e pela China. A nova administração Biden prometeu que seria igual ou pior, que Trump, na pressão contra a China. De certa forma, se a linha discursiva se mantiver, eu creio que não, só será do agrado do PCC, que poderá utilizar como forma de manter a união da China em volta de um inimigo comum.

Relativamente à Coreia do Norte, é possível que volte ao modus operandi aquando da Administração Obama, retomando os testes dos mísseis balísticos e aumentando o seu armamento nuclear.

Previsão: A China continuará a pressionar a região do Mar do Sul da China e do Mar do Este da China. As ameaças contra Taiwan de uma invasão militar continuarão no decorrer do ano 2021, no entanto não serão de forma a escalar para um conflito. As disputas com a Austrália irão provocar uma reacção e uma consequente aproximação dos australianos à Índia, EUA e Japão. A Coreia do Norte deverá voltar à sua situação anterior, desafiando os Estados Unidos, com testes de mísseis.

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