
Independentemente da teoria das Relações Internacionais que usemos para analisar o Sistema Internacional, quer consideremos que as relações internacionais são um jogo de soma nula, ou um jogo de soma variável, é hoje incontestável que a procura de poder pelos Estados transcende em muito o emprego de recursos militares e económicos – hard power – que os mesmos possuem. Como o Professor Emérito da John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, Joseph Nye Jr., sugere desde os finais da década de 1980, embora que de forma mais aprofundada na obra Soft Power: The Means to Success in World Politics (2004), a influencia de um Estado sobre outros pode ser exercida através da capacidade de atração e cooptação do Estado – Soft Power. Neste breve artigo, debruço-me então sobre esta forma não coerciva de exercício de poder, bem como sobre o Natal enquanto celebração religiosa, instrumento de exercício de poder ao serviço dos Estados, e fenómeno global, cuja sua dimensão geopolítica vale a pena ter em consideração.
O início da celebração do Natal enquanto celebração do nascimento de Jesus de Nazaré, enquanto celebração religiosa, remonta ao século IV, embora possa haver autores que defendam que as celebrações tenham começado antes, uma vez que a documentação existente não é clara. Desde então, o Cristianismo veio acumulando fiéis e hoje é a religião com mais seguidores no Mundo, cerca de 2 382 750 000 pessoas, o que corresponde a aproximadamente 31,1% da população mundial[1]. Contudo, e apesar do número de cristãos rondar da população mundial, o número de pessoas a celebrar o Natal é claramente superior.
Olhando para um país em concreto, nomeadamente os Estados Unidos (e já vão mais à frente perceber porque escolhi os Estados Unidos), podemos observar que 93% da população celebra o Natal, mesmo que apenas 71% seja cristão[2]. Então porque é que 22% das pessoas, quase da população americana celebra o dia 25 de dezembro? A explicação passa pelo Natal estar, progressivamente, a moldar-se no seio da sociedade americana e a transformar-se mais propriamente num evento cultural do que numa celebração religiosa. De acordo com o think thank norte-americano, Pew Research Center, a percentagem de pessoas que acredita na narrativa bíblica do Natal sofreu uma queda de 8 pontos percentuais – de 65% para 57% – entre 2014 e 2017. Simultaneamente, cada vez mais as pessoas preferem saudações natalícias institucionais menos relacionadas à religião, ou cada vez mais se importam menos com isso. De 2005 para 2017, a percentagem de pessoas a preferir a expressão Merry Christmas desceu 11%, de 43% para 32%, enquanto a preferência pelas expressões Happy holidays/Season’s greetings aumentou 3%, de 12% para 15%, e a indiferença 7%, de 45% para 52%[3]. Se a descrença religiosa tem diminuído, mas a percentagem de pessoas a celebrar o Natal se mantém consideravelmente constante ao longo dos anos, podemos então concluir que há algo que sustenta esse fenómeno e que preenche o vazio deixado pela religião.

Perceber o que preenche esse vazio não é um exercício particularmente difícil de realizar. As grandes indústrias norte-americanas são autênticas máquinas de fazer dinheiro, e mais importante nos dias que correm, de moldar a forma de pensar das pessoas. Ora, se as indústrias o fazem para obterem a maior mais valia possível, os Estados fazem-no para levar a cabo os seus interesses. De entre os Estados, e porque o Natal como o conhecemos na maior parte do Mundo que o celebra é originário nele, os Estados Unidos é quem melhor aproveita a ocasião para projetar a sua cultura, os seus valores, e, claro, os seus interesses. Em qualquer um dos mais de 160 países que celebram o Natal de algum modo, será difícil ligar hoje a televisão e não estar a dar um filme produzido pela indústria de Hollywood, que mundialmente já são apelidados de “clássico de Natal”, ou ligar a rádio e não estar a dar algum dos hits que todos os anos passam quase que em loop nos dias 24 e 25 de dezembro, e que tomam de assalto os tops mundiais das plataformas de streaming de música por esta altura do ano. Ressalvo que, para os Estados Unidos, a exportação destes conteúdos por si só não é relevante. O que é relevante é a narrativa que é passada através destes canais. São os valores de liberdade, de consumo, e a sua política internacional que interessa que passe e que seja interiorizada pelas populações dos outros Estados de uma forma positiva, para que os indivíduos, naqueles que são os seus campos de ação, possam agir e tomar decisões que vão ao encontro dos interesses dos Estados Unidos, mesmo que inconscientemente.
Sendo uma data celebrada mundialmente por milhares de milhões de pessoas, o Natal é uma extraordinária montra para os Estados trabalharem a sua imagem, e, mais objetivamente, verem a sua agenda internacional levada adiante, ou mesmo cumprida. Para já, neste jogo eterno pela busca pelo poder, vai levando a melhor o Mundo Ocidental, com os Estados Unidos à cabeça.
[1] https://www.pewforum.org/2015/04/02/religious-projection-table/2020/
[2] https://news.gallup.com/poll/272357/percentage-americans-celebrate-christmas.aspx
[3] https://www.pewresearch.org/fact-tank/2017/12/18/5-facts-about-christmas-in-america/
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