Texto redigido por: Hugo Neves
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A 59ª eleição presidencial dos EUA decorrerá no dia 3 de Novembro, simultaneamente com eleições para a Câmara dos Representantes e o Senado, além de várias disputas estaduais e locais. Embora muitos cargos políticos estejam em jogo, a mais decisiva e mediática batalha eleitoral é a do presidente, que este ano oporá Donald Trump a Joe Biden. Nos meses que as antecedem, estas eleições são sempre alvo de muita especulação e de inúmeras sondagens, que em 2016 não corresponderam aos posteriores resultados. Por essa razão e visando compreender melhor o seu eleitorado, este artigo procura esclarecer alguns dos aspectos decisivos na eleição, apresentando primeiramente alguns dados estatísticos a nível nacional, seguidos dos principais temas em debate, da lista de 6 prováveis swing states deste ano e, por fim, uma previsão para o seu resultado em cada estado.
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A nível nacional:
À semelhança do referendo do Brexit, talvez a mais determinante distinção demográfica entre os eleitores das presidenciais norte-americanas do mesmo ano tenha sido a de densidade populacional: as zonas rurais favoreceram Trump, com cerca de 62% contra 34% dos votos por Hillary Clinton; assim como as suburbanas, 50% para 45%; enquanto as urbanas favoreceram Clinton, por 59% contra 35%, abrangendo a maioria das grandes cidades e áreas metropolitanas. Além disso, o voto rural foi o que mais se alterou na sequência das últimas três eleições, em favor do Partido Republicano, e este ano, a campanha presidencial republicana priorizou a melhoria dos resultados nos subúrbios.
A escolha dos eleitores de diferentes etnias/raças também evidencia contrastes políticos claros, embora os resultados sejam consistentes com eleições passadas: os eleitores brancos votaram 58% por Trump, contra 37% por Clinton (valor idêntico em 2012 e similar desde 2000, entre partidos); 65% contra 29% dos eleitores asiáticos e hispânicos favoreceram Clinton (valores similares aos de 2012 e 2008), assim como 88% contra 8% dos eleitores negros (valor último que não ultrapassou os 12% desde 1980 e os 6% nas eleições contra Obama). Também à semelhança de eleições anteriores: as mulheres preferiram a candidata democrata (54% contra 42%) e os homens o republicano (53% contra 41%); a população mais jovem (18 a 44 anos) preferiu Clinton e a mais velha (mais de 44 anos) Trump.
De resto, a campanha de Biden também identificou nos idosos – os mais prejudicados pela pandemia do SARS-Cov2 – um potencial factor decisivo no eleitorado para a sua vitória. Por fim, os eleitores sem diploma universitário e os casados preferiram Trump; os diplomados e não casados, Clinton. Em conclusão, é possível aferir que a divisão na eleição presidencial de 2016 foi sobretudo ideológica e partidária, visto que a escolha por subgrupos demográficos pouco se alterou em relação a eleições anteriores, apesar das inevitáveis alterações demográficas no eleitorado.
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Temas dos debates:
Estes são alguns dos temas relativos a propostas de ambos os candidatos que dividem o eleitorado de 2020: A nomeação de um novo juiz para o Tribunal Supremo e o “court-packing” (aumento do número de juízes); a pandemia do vírus SARS-Cov2, a respectiva resposta do governo e os seu efeito na saúde da população; o lockdown e o seu efeito na economia; os programas de estímulo para a economia; os protestos do Black Lives Matter (BLM) contra a violência policial e o agravar das tensões sociais; o aumento do crime em algumas cidades e subúrbios em 2020; o fracturamento hidráulico (fracking) e as alterações climáticas; e na política externa, a relação com a China e Rússia, assim como a importância geoestratégica das alianças internacionais tradicionais e a sua deterioração ou consolidação sob a presente administração. Outros temas, como a imigração ilegal e as acusações de interferência russa na eleição de 2016 – alvo de uma investigação durante dois anos – ficaram arredados da esfera mediática.
Entre a tentativa de supressão de desinformação e o enviesamento político dos media, a censura de informação nas redes sociais e plataformas de comunicação da internet foi recentemente discutida numa audição no senado aos directores executivos do Twitter e Facebook, por terem bloqueado informação proveniente do New York Post, um dos meios noticiosos de maior circulação nos EUA, semanas antes da eleição. Com efeito e à semelhança de 2016, tanto os media – que se concentram nas grandes cidades –, como as celebridades, apoiam oficialmente e em peso o candidato democrata. No contexto contemporâneo da guerra de informação e polarização política associada às novas tecnologias, a crescente preocupação com o peso das grandes empresas de tecnologia de comunicação na sociedade e com a interferência de governos estrangeiros nas suas eleições urge um consenso bipartidário.
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Os swing states:
As eleições presidenciais dos EUA são determinadas pelos votos do colégio eleitoral, divididos por eleições em cada estado, não pelo total nacional de votos. A Flórida foi o estado mais disputado no conjunto das últimas duas eleições, mantendo-se perto dos 1% de diferença entre democratas e republicanos em ambas, seguindo-se estados como New Hampshire, ou Minnesota. No entanto, focarmo-nos-emos apenas nos mais decisivos (Flórida, Wisconsin, Pensilvânia, Michigan, Arizona e Carolina do Norte), que contém algumas das cidades mais populadas do país. Dois destes swing states (estados com apoio equilibrado entre partidos), Flórida e Pensilvânia, estão entre os seis estados com maior peso no colégio eleitoral.


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Na Flórida, os eleitores hispânicos e latinos (cerca de 23% da sua população), incluindo os cerca de 7% de origem cubana, podem ser determinantes no resultado da eleição, o que motivou a campanha do candidato republicano a enfatizar a sua aversão a regimes comunistas ou socialistas, acusando, ao mesmo tempo, Biden de se aliar aos elementos mais radicais da esquerda. Os problemas políticos e sociais na Venezuela e no Brasil também poderão ter algum impacto, como extensão da linha ideológica da política externa dos EUA e consequência da polarização política do outro lado do Mar Caribenho. Já Biden, espera o apoio em peso dessas comunidades, assim como dos cidadãos idosos, acusando o seu adversário de se vincular à extrema-direita.
Na Pensilvânia, onde o declínio do sector industrial do aço foi tema decisivo em 2016, discute-se o recurso ao fracking e o seu impacto na economia e emprego, em conjunto com o impacto do SARS Cov-2 na saúde. Tendo em conta que o estado produz mais de metade do gás natural e petróleo do país, Trump foi claro quanto ao seu apoio ao método, apesar do dano que este causa ao ambiente; enquanto Biden vacilou entre a sua regulação e proibição, ou entre o valor desse recurso na economia e a sua insustentabilidade e impacto no clima. A actual pandemia gerou um debate paralelo: entre arriscar agravar a pandemia ao abrir o comércio, ou agravar a consequente crise económica, afectando sobretudo as pequenas empresas. Os protestos e pilhagens da semana antecedente à eleição também podem ter repercussões na eleição.
Wisconsin também é um dos estados mais importantes na corrida eleitoral, com tendências de voto distintas entre norte e sul e uma clara segmentação entre condados conservadores e progressistas. A guerra comercial da actual administração contra a China teve impacto na agricultura; por outro lado, os protestos pela morte de George Floyd e a insegurança dos residentes devido à criminalidade em subúrbios de Milwaukee, como Wauwatosa e Kenosha, na sequência do incidente, representam um dilema que pode decidir a eleição e que é retratado no episódio Law and Disorder da série The Circus: Inside the Greatest Political Show on Earth. Essa insegurança afectou particularmente a capital do estado vizinho de Minnesota, enquanto a polícia se ausentava e autoridades locais consideravam retirar-lhes apoio financeiro. Neste âmbito, Trump e vários governadores e mayors democratas acusam-se mutuamente de ser responsáveis pelo nível alto de criminalidade.
Michigan, outro estado do Rust Belt e Upper Midwest afectado pelo tratado NAFTA, pelo declínio do actividade industrial e consequente desemprego nesse sector, não foi visitado pela campanha presidencial de Hillary Clinton em 2016, tal como Wisconsin. A campanha rival, ao invés, tomou esse problema como prioritário, o que se repercutiu na substituição do NAFTA pelo USMCA. Este ano, a segurança e a saúde destacam-se na disputa eleitoral: por um lado, Joe Biden defende veementemente a manutenção do Affordable Care Act (Obama Care), os protestos pelos direitos das minorias e de medidas mais restritivas durante a pandemia, como o lockdown imposto pela governadora democrata do estado, Gretchen Whitmer, candidata a vice-presidente nesta corrida presidencial e alvo de uma conspiração contra si por um grupo extremista. Por outro lado, a economia e o slogan “lei e ordem” dominam o discurso do seu opositor.
A Carolina do Norte elegeu o candidato republicano em oito das últimas nove eleições, mas na última apenas por 3,7% de diferença, sobretudo devido à vantagem democrata nas maiores cidades, que também se manifestou na eleição de um governador desse partido. Além dos assuntos nacionais já referidos, os eleitores locais também se debatem com a justiça do processo eleitoral, devido a acusações de gerrymandering (o redesenhar das fronteiras eleitorais entre estados). Outro tema decisivo será a recente eleição de um novo juiz para o tribunal supremo, que dará uma perspectiva mais conservadora ao órgão jurisdicional. Trump não conseguirá ganhar a eleição sem ganhar Carolina do Norte e Arizona.
O Arizona é um dos dez estados mais afectados pelo SARS-Cov2 (em mortes por habitantes, sete têm governadores democratas). O seu impacto na saúde e na economia, assim como a respectiva reacção do presidente; as alterações climáticas e o seu impacto na agricultura e na escassez de água, juntaram-se à gestão da fronteira com o México e política de imigração, como alguns dos temas divisivos com maior impacto no estado . Com uma elevada percentagem de paisagem árida a norte e grande parte da sua população concentrada a sul, especialmente em torno de Phoenix, apesar da posição de Trump quanto à questão climática, este é o swing state mais propenso a vitória republicana, visto que teve a preferência deste eleitorado em 16 das últimas 17 eleições presidenciais.
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Conclusão e previsão:
Na eleição de 2016 as sondagens não reflectiram os resultados do subsequente voto, como se verifica num artigo que o New York Times (NYT) publicou no dia anterior à eleição, que dava 84% de probabilidade de Hillary Clinton sair vencedora:


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Seria, por isso, insuficiente basear a previsão em baixo apenas nas sondagens, tendo esta igualmente por base: as tendências registadas em eleições anteriores, o estado actual do discurso político americano a nível nacional e estadual e as ocorrências recentes. As eleições são um dos componentes essenciais do exercício democrático e, apesar da polarização mediática de que são alvo, a discussão pública e o voto continuam a promover a partilha de conhecimento sobre temas essenciais à complexa gestão de comunidades pequenas e grandes. Ora reflectindo uma visão globalista, cosmopolita, científica e progressista; ora uma nacionalista, rural, religiosa e conservadora, esta é essencialmente uma eleição sobre a identidade de um país e sobre a união ou desunião dos seus estados. Que seja livre e justa.


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Caminhos para a vitória em swing states:
Joe Biden: FL + PA + WI, ou PA + WI + MI, ou WI + MI + NH + NC
Donald Trump: AZ + NC + FL + PA/WI/MI, ou AZ + NC + PA + WI + MI
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