BRI: Um Projeto Económico e Geopolítico

A iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, também designada por Nova Rota da Seda Chinesa foi anunciada em 2013, aquando da visita do presidente Xi Jinping ao Cazaquistão, em setembro, e à Indonésia, em outubro. Ao anunciar a sua visão, o presidente chinês comparou este projeto com a histórica Rota da Seda, que há 2000 anos atrás desenvolveu ligações comerciais, políticas e culturais entre o Ocidente e o Oriente.

O plano contemporâneo consiste em dois projetos: um Cinturão Económico da Rota da Seda e seis corredores económicos-estradas e ferrovias que conectam a China com a Ásia Central, Rússia, Ásia do Sul e Europa, e uma “Rota da Seda Marítima”, portos e rotas marítimas que pretendem conectar o os Estados do Sudoeste Asiático e países fronteiriços à Índia. Juntos, estes dois projetos constituem a Iniciativa do Cinturão e da Rota, uma iniciativa geopolítica e económica que abrange, desde março de 2020, um total de 138 países. A Nova Rota da Seda prevê uma vasta rede de ferrovias, rodovias, portos, pipelines, e infraestruturas de comunicação que abrangem o continente Euroasiático. Na verdade, as cinco maior prioridades deste projeto são:

  • A coordenação de políticas;
  • A conectividade das infraestruturas;
  • Fomento do comércio internacional;
  • Integração financeira;
  • Intercâmbio cultural e de pessoas

O governo chinês criou, para apoiar esta iniciativa, o Grupo Líder para a Promoção da Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, com um escritório administrativo sob a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma e, em março de 2015, Beijing publicou a “Visão e Ações para a Construção Conjunta do Cinturão Económico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século 21”.

Em 2017, realizou-se o primeiro fórum da Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota. Ademais, Pequim apoiou a iniciativa com um compromisso financeiro considerável, materializado em $40 biliões para o Cinturão Económico da Rota da Seda, $25 biliões para a Rota da Seda Marítima, $50 biliões para o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII) e $40 biliões para o Fundo da Nova Rota da Seda (SRF).

Este é um projeto geopolítico e económico, tendo por base a aspiração da China de se tornar uma potência mundial e, ao mesmo tempo, a correção de desequilíbrios económicos internos. Algumas empresas estatais chinesas no setor do aço, cimento e da construção acumularam capacidade produtiva excessiva após a crise financeira de 2008, graças a um estímulo financeiro de Pequim, uma vez que a sua economia se encontrava em franca ascensão. Entretanto, com o desacelerar do crescimento económico, estas empresas encontram-se numa fase na qual a capacidade produtiva é bastante superior ao seu uso, tentanto econtrar usos alternativos para os seus recursos. Ainda nesta linha, a China tem também a maior reserva de divisas estrangeiras do mundo, e a mesma não está a ser investida de forma produtiva. Assim, investir em projetos de infraestrutura de grande dimensão permitirá que a China exporte o seu excesso de poupança e coloque as suas empresas estatais a trabalhar novamente.

Acresce ainda o facto de, para que o desenvolvimento económico chinês possa prosseguir, é fulcral garantir o acesso a recursos energéticos. Através desta iniciativa, a China poderá ampliar o seu acesso à infraestrutura energética, via Ásia Central, e garanti-lo através de rotas alternativas, uma vez que a segurança energética chinesa sofre de grandes vulnerabilidades devido à sua dependência excessiva de uma rota marítima que atravessa o estreito de malaca. Há duas ameaças claras no que toca à dependência extrema desta rota: a ameaça de pirataria e terrorismo marítimo, que não obstante os esforços para que seja combatida, ainda permanece bastante acesa; e a influência que outros Estados detêm perante a região do Sudoeste Asiático e das suas rotas envolventes, nomeadamente os EUA e o Japão.

Concomitantemente, a China está também motivada em aprofundar os seus vínculos económicos com as suas regiões ocidentais que, historicamente, têm sido negligenciadas, e que não beneficiaram da mesma forma que as regiões mais orientais com o desenvolvimento econonómico chinês. Assim, promovê-lo na província ocidental de Xinjiang, onde a violência separatista se faz sentir de forma mais exacerbada, é uma prioridade. Por fim, um outro aspeto económico desta iniciativa prende-se com a tentativa de tornar o renminbi a moeda internacional de referência no sistema monetário internacional.

O corredor económico China-Paquistão é o mais promissor, tendo sido marcado como o “flagship project” da Nova Rota da Seda Chinesa, constituindo o pacote mais expansivo de investimentos chineses a ser colocado em ação. Os números anunciados pelo Paquistão, logo após o lançamento da iniciativa, em 2015, apontavam para investimentos de $46 biliões. Este corredor incorpora projetos energéticos, estradas e ferrovias, desenvolvimento de infraestruturas e parques industriais. O mesmo conecta a região de Xinjiang ao porto de águas profundas de Gwadar, localizado no extremo sudoeste da costa do Paquistão, perto da fronteira com o Irão e o Mar da Arábia. A verdadeira importância estratégica deste porto reside no facto de se encontrar geograficamente muito próximo do Estreito de Ormuz, a massa de água que fica entre o Golfo Pérsico e o Golfo do Omã. Ora, estima-se que 20% do petróleo do mundo passe pelo Estreito de Ormuz. Este porto permitirá à China utilizar rotas alternativas para o fornecimento da sua energia, não tendo assim que atravessar os chokepoints localizados no Sudoeste Asiático. Embora seja o projeto mais promissor desta iniciativa, o mesmo retira da equação a participação de países que poderiam ser cruciais para o sucesso da Nova Rota da Seda, como a Índia. Dado que o corredor económico China-Paquistão atravessa zonas disputadas pela Índia e pelo Paquistão, como o Baluchistão, numa resposta a uma consulta sobre a participação da Índia no Fórum da Iniciativa Um Cinturão, Uma Rota, um porta-voz oficial do governo indiano limitou-se a referir que “nenhum país pode aceitar um projeto que ignora os conceitos de soberania e integridade territorial”.

Há, contudo, um outro aspeto a considerar, que muitos analistas afirmam ser uma forma de a China ganhar vantagens geopolíticas sobre outros países: a designada “dept-trap diplomacy”, que consiste em atrair países pobres e em desenvolvimento por forma a conceder-lhes empréstimos insustentáveis, com o propósito de construir projetos de infraestrutura, para que, quando os mesmos enfrentarem dificuldades financeiras, Pequim posso apreender o ativo, estendendo assim o seu alcance militar.  Esta questão será analisada com maior detalhe nos artigos subsquentes, tendo em conta casos de estudo específicos.

Desta forma, torna-se evidente que, embora a Iniciativa da Nova Rota da Seda seja um projeto ambicioso, que faz jus ao capital de Pequim, o mesmo encontra vários obstáculos à sua realização. Desde logo, o projeto que teria maiores probabilidades de suceder, o corredor económico China-Paquistão, encontra-se sobre grandes vulnerabilidades a nível securitário, para além do facto de afastar a Índia desta iniciativa. Para além disso, no contexto do sudoeste asiático, as disputas no Mar do Sul da China, em particular com o Vietname e as Filipinas, afetaram as negociações bilaterais com estes países, e espera-se que a tensão na região possa recrudescer, dada a política externa mais assertiva de Xi Jinping. Uma das únicas potências regionais que se encontra, neste momento, verdadeiramente comprometida com esta iniciativa, é a Rússia. Embora com um uma reação inicial cautelosa, devido ao facto de a China ter dado um maior enfâse à região que, por excelência, se encontra sob a esfera de influência russa, a Ásia Central, a visão da Rússia foi evoluindo, em particular devido ao maior isolamento do país e às sanções impostas pelo Ocidente. A China encontra-se, contudo, numa fase díficil de implementação deste projeto, em parte devido à situação pandémica generalizada, e à dificuldade de atrair países essenciais para este projeto assim como de acautelar os seus interesses.

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