Nas próximas 3 Terças-feiras iremos publicar uma série de artigos referentes à Belt and Road Initiative, colocando o projecto em contexto histórico, e analisando a sua aplicação na prática.
A BRI, como demonstra o seu nome por extenso, “Estratégia de Desenvolvimento do Cinturão Económico da Rota da Seda e da Rota da Seda Marítima do Século XXI”, faz referência a dois grandes circuitos comerciais históricos. Para introduzir o tema, será interessante abordá-los para compreender um pouco da história da região.
Um dos grandes equívocos que existe no conceito abstracto e de senso comum da Rota da Seda, é que esta era, como o nome indica, uma Rota, ou uma estrada. Como ilustram Buzan & Little[1], a logística comercial da era pré-medieval era muito diferente da que conhecemos hoje, em que o transporte de commodities se dá em volumes e frequência infinitamente maiores. É evidente que o paradigma tecnológico dita as dinâmicas e os fluxos de bens, o que desde a sua criação, ditou que a Rota da Seda constituía uma rede de entrepostos comerciais, ligando sistemas imperiais regionais e outras unidades políticas mais pequenas desde a Europa até à China, através de uma extensão terrestre tal que seria impossível para um único centro de poder conseguir controlar militarmente, ou policiar de forma eficaz. Isto não exclui, porém, o transporte de pequenas mercadorias de valor elevado das quais os cronistas romanos como Cícero e Séneca[2] destacavam a seda, sendo este último crítico da mesma, afirmando que o vestuário feminino de seda resultaria na degenerescência moral da sociedade, um relato que reforçava o estereótipo do Oriente como um local de luxúria e hedonismo. A viabilidade de tal comércio possibilitou ao longo do tempo a emergência de vastas redes, mais do que propriamente uma rota única com um início e um fim, bem como sistemas de contabilidade avançados no seio dos grandes centros económicos, que como uma constelação pontuavam os trajectos das mercadorias. Junto com estas, línguas, religiões e ideias científicas viajaram também, o que viria a marcar irreversivelmente a história com a busca do oriente e o aperfeiçoar das suas técnicas a tornar possível a navegação em águas profundas no século XV, o início do declínio da Rota da Seda.
Se a Rota da Seda terrestre viu emergir grandes centros urbanos em lugares improváveis, como Merv no actual Turquemenistão ou Samarcanda no Usbequistão, não esquecendo o império Kushan, guardião do Khyber Pass que liga o Afeganistão ao Paquistão actuais, uma das principais ligações entre o Oriente e o Ocidente, a Rota da Seda Marítima também deteve a sua importância. Se as rotas do Atlântico eram difíceis de navegar de forma fiável e segura, algo que só com a tecnologia foi ultrapassado, as rotas do Índico possuem uma longa história de intercâmbio, facilitado pelos ventos sazonais, cujo conhecimento permitia aos locais manter ligações comerciais regulares. Este é o contexto que Vasco da Gama encontra ao chegar à Índia, com tecnologia náutica e militar adaptada à realidade da Europa renascentista. Menos conhecida será a frota comercial do almirante Zheng He[3], que o Imperador Ming decide desmantelar, num período em que a China se volta para si mesma.
Com a emergência e declínio de impérios, a Rota da Seda foi um marco perene ao longo da história, nunca com uma identidade bem definida, mas como um sistema complexo, por vezes de poderes dispersos, por vezes unificado debaixo de sistemas imperiais de onde sobressai o Império Persa, ou até a era da chamada Pax Mongolica, mas sobretudo onde as ideias viajam e se transformam a par das riquezas. A ideia de uma nova Rota da Seda será sempre evocativa, sobretudo nas implicações que traz para o campo das relações entre estados modernos, e das possibilidades que a tecnologia moderna abre.
[1] Buzan, B., & Little, R. (2000). International Systems in World History: Remaking the Study of International Relations. Oxford: Oxford University Press.
[2] Frankopan, P. (2015). The Silk Roads: A New History of the World. London: Bloomsbury.
[3] Kissinger, H. (2011). On China. New York: Penguin Books.
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