A política externa projeta interesses e objetivos domésticos para o exterior, executados pela diplomacia, e é, desta forma, uma ferramenta crucial para o posicionamento dos Estados no Sistema Internacional. Tende-se a considerar que a política externa não sofre alterações muito significativas, mantendo o status quo e havendo, assim, uma definição de continuidade histórica. Esta emprega questões de natureza cultural, como a identidade nacional que, associada à existência de um inimigo externo, é parte integrante da formulação normativa de politica externa, e a confrontação com este inimigo reforça o sentimento de identidade nacional. É importante ressalvar que no estudo das políticas externas as perspetivas sistémicas explicativas têm dominado as relações internacionais. Contudo, é do entender de vários autores que deve ser dado um maior enfoque às dimensões não materiais como os discursos, as motivações, a opinião pública e as questões de política interna. No caso da Rússia, a guerra na Geórgia (2008), a participação na guerra da Síria (essencialmente a partir de 2015) e a invasão da Crimeia (2014), constituem casos sobre os quais a opinião pública russa tem um parecer favorável, apoiando estas incursões.
Tendo em consideração esta definição de política externa, neste artigo pretendo explorar a relevância que a Ásia Central representa para a política externa russa, particularmente desde o final da Guerra Fria. Esta é uma zona geográfica que compreende cinco Estados que outrora fizeram parte da URSS-o Turcomenistão, o Uzbequistão, o Cazaquistão, o Quirguistão e o Tajiquistão, e a sua relevância estratégica deriva do facto de se situar no cruzamento de várias potências regionais, como o Irão, a Rússia e a China. Esta área estende-se desde o Mar Cáspio, a oeste, até à China e à Mongólia, a leste, e desde o o Afeganistão e o Irão no sul até à Rússia no norte. A variedade paisagística da região é notória-variando de estepes, desertos, vales, entre outros. É, ainda, a área do planeta com maior número de Estados interiores (landlocked states).

A nível político, é caracterizada pelo seu elevado nível de autoritarismo, embora com diferentes níveis de intensidade. O Cazaquistão, o Tajiquistão e o Quirguistão são Estados semi-autoritários, enquanto o Uzbequistão e o Turcomenistão são dirigidos por regimes autoritários. As repúblicas da Ásia Central foram as únicas na União Soviética que votaram num referendo a favor da continuação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, tendo-se tornado, como alguns autores defendem, independentes contra a sua vontade.
No plano económico, e particularmente desde o final da Guerra Fria, tem sido feito um esforço no sentido de transferirem de economias controladas pelo Estado para economias de mercado. No entanto, as reformas têm sido graduais e seletivas, à medida que os governos se esforçam para limitar o custo social e melhorar os padrões de vida. Em particular, têm modernizado o setor industrial e fomentado o desenvolvimento das indústrias de serviços através de políticas fiscais favoráveis aos negócios, entre outras medidas, que têm como objetivo reduzir o peso da agricultura no PIB destes países. O Cazaquistão é o país que revela maior potencial de crescimento, com um mercado amplo: 17 milhões de pessoas no mercado interno; uma estrutura legal focada em atrair investidores; um complexo programa de desenvolvimento da economia não petrolífera e criação de condições favoráveis para investimentos nessas esferas.
Historicamente, os países da Ásia Central foram conquistados por vários impérios (árabe, mongol, russo), tendo sido gerada no decurso destas invasões uma vasta interação cultural, proporcionando uma variedade de línguas, culturas e religiões, o que tornou mais complexa a noção de identidade nacional. Ainda hoje, o poder político local-clãs e tribos-têm um papel fundamental na formulação da política nacional. No final do século XIX, o Império Russo e o Império Britânico, disputaram entre si a influência sobre a região, naquilo que ficou conhecido como “O Grande Jogo”. A Ásia Central ficou sob administração russa até 1991, ano em que estes Estados conheceram pela primeira vez a independência, após a desintegração da URSS.
Em 1985, Mikhail Gorbatchev, torna-se secretário-geral do Partido Comunista da URSS, levando a cabo reformas profundas na sociedade russa. Entre essas reformas, destacam-se as políticas denominadas perestroika e glasnost. A primeira diz respeito à esfera económica, e pretendia iniciar um processo de liberalização da economia, dado que até então, a economia era planificada pelo Estado, não existindo, por isso, propriedade privada. A segunda concernia ao plano político e visava aproximar a população das decisões da União Soviética, assim como combater a corrupção dentro do Partido Comunista. De 1985 a 1991, período em que Gorbatchev governou, a Rússia sofreu alterações significativas nas suas estruturas e na sua economia, que culminaram na dissolução da URSS, em 1991. Ainda neste ano, é formada a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), um conjunto de Estados localizados no espaço Pós-Soviético, dos quais fazem parte as cinco repúblicas da Ásia Central-o Cazaquistão, o Turcomenistão, o Quirguistão, o Uzbequistão e o Tajiquistão- e há, ainda, uma mudança de poder, com Ieltsin tornar-se presidente da Rússia.
No período imediato pós-Guerra Fria, as elites russas em Moscovo demonstraram uma clara falta de visão relativamente ao futuro das relações da Rússia com o antigo império, privilegiando as relações com os EUA e a Europa. Apesar de um período de um entusiasmo inicial de aproximação de relações com o ocidente, em meados da década de 1990, as relações com a Ásia Central passaram a ser um vetor fundamental nos interesses russos. Este reassumir de prioridades coincidiu com a abertura desta região às dinâmicas da globalização, atraindo polos distinos: a Rússia, o ocidente e a China. Apesar do difícil contexto que se seguiu ao final da União Soviética, os anos de transição ajudaram a delinear linhas mestras de atuação e aquilo que ficou conhecido como política externa multivetorial ( formulada pelo ex-ministro dos negócios estrangeiros russo, Yevgeny Primakov). Esta traduz-se na organização de áreas de atuação preferenciais, com especial relevo para a geopolítica, e que desde então definiu o espaço pós-soviético como prioritário.
Esta reflexão será concluída na parte II
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