Texto redigido por: Hugo Neves
Com os recentes acordos de normalização das relações entre Israel, EAU e Bahrein e a progressiva aposta na auto-suficiência energética dos EUA desde 2008, em grande parte devido ao fracturamento hidráulico e à necessária aposta nas energias renováveis, tanto a relação entre os EUA com a Arábia Saudita, como o papel do Médio Oriente no mercado energético mundial têm vindo a sofrer alterações que se poderão manifestar ainda mais drasticamente no futuro. Por esse motivo, este artigo propõe expor sucintamente a importância destes factores na complexa relação histórica entre a república constitucional secular dos EUA e a monarquia islâmica e ultraconservadora da Arábia Saudita, assim como o seu impacto no mercado energético mundial e nos conflitos do Médio Oriente, relacionando-os com a nova realidade.
A relação diplomática e comercial entre os dois países iniciou-se em 1933, um ano depois da criação da Arábia Saudita, desde logo baseada em interesses mútuos energéticos e de segurança, trocando a exploração e exportação de petróleo para os EUA, pela exportação de armamento militar para a sua contraparte, inicialmente um país extremamente pobre e desprotegido. Ambos se tornariam o maior parceiro comercial um do outro – o Reino da Arábia Saudita, governado pela família real Al Saud desde a sua criação, tornar-se-ia o maior importador de armas dos EUA e estes últimos os maiores importadores de petróleo saudita. A California Arabian Standard Oil Company (CASOC), mais tarde conhecida como Arab American Company (ARAMCO) e actualmente ARAMCO Saudita, iniciou a exploração de petróleo em 1938. A primeira embaixada dos EUA no país seria estabelecida em 1944 e as linhas gerais (petróleo e armas) da duradoura relação comercial concretizadas no ano seguinte, quando o presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt se encontrou com o rei saudita Abdulaziz e incluiu nas negociações um pedido para estabelecer uma base militar americana na Arábia Saudita. Em 1950, na mesma década em que Mohammad Mosaddegh – o primeiro-ministro iraniano que nacionalizou a Companhia Anglo-Iraniana de Petróleo – foi deposto, a ARAMCO e a Arábia Saudita concretizam um acordo de 50/50 na partilha do lucro da venda do petróleo saudita. No ano seguinte, o Mutual Defense Assistance Agreement foi assinado, assinalando o início da volumosa exportação de armas para a Arábia Saudita e a criação da pretendida base militar americana permanente no país.
Em 1960, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) é criada a fim de proteger os interesses dos países exportadores de petróleo no Médio Oriente e da Venezuela e de 1973 a 1974, a Arábia Saudita participaria no embargo de petróleo da OPEC aos EUA, devido ao seu apoio militar a Israel na Guerra do Yom Kippur. Este embargo afectaria gravemente a economia dos EUA, demonstrando a importância da organização intergovernamental na relação bilateral. Em sentido inverso, de 1979 a 1988, a Arábia Saudita foi uma aliada importante dos EUA no apoio à resistência afegã à ocupação soviética do país, na qual Osama Bin Laden – fundador da Al Qaeda, em 1988 – participaria com apoio logístico e financeiro, demonstrando alinhamento na estratégia militar. Adicionalmente, em 1990, quando o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Kuwait, a Arábia Saudita declarou-lhes guerra com o apoio militar dos EUA, o que fortaleceu a aliança. Em 1994, Bin Laden foi expulso da Arábia Saudita e em 11 de Setembro de 2001, o célebre ataque terrorista envolveu 15 sauditas entre os 19 responsáveis identificados, o que gerou desconfiança quanto à relação bilateral. Com efeito, uma das razões apontadas para o ataque terrorista foi o reforço das tropas americanas na Arábia Saudita após a Guerra do Golfo.
Durante a administração de Barack Obama, a sua disponibilidade para negociar com o Irão (o principal opositor sauditana região) e a ausência de uma intervenção na Guerra Civil da Síria provocaram uma renovada tensão entre os dois países, embora a relação comercial e diplomática se mantivesse como prioritária para ambos, com manifestações públicas de apoio de parte a parte. De facto, a percepção pública desta relação não era particularmente benéfica para uma administração americana com uma imagem positiva em termos internacionais, mas na realidade só a administração seguinte superou o valor da venda de armas a Arábia Saudita no seu mandato. Em 2014, Riade diminuiu drasticamente o preço da venda do seu petróleo devido a vários factores, incluindo a respectiva produção interna dos EUA com recurso ao fracturamento, ou fracking. Já a mais recente administração americana, de Donald Trump, definiu esta relação como uma das suas prioridades, defendendo os laços estreitos entre os países com a sua primeira visita oficial como presidente a Riade, enquanto a Arábia Saudita continuou a beneficiar das armas americanas para a sua participação na Guerra Civil do Iémen. A administração de Trump demonstrou publicamente uma aproximação relativamente à anterior de Obama, o que levou os sauditas a defender algumas das suas decisões políticas menos populares como parte da preocupação com o terrorismo e a influência regional do Irão. Recentemente, em 2018, o incidente da morte de um jornalista saudita em Istambul teve como consequência o bloqueio da venda de armas para a Arábia Saudita e EAU pelo congresso e senado americanos relativamente a uma proposta de Trump; no ano seguinte, na base naval americana de Pensacola, outro incidente envolveu um membro da Força Aérea Real Saudita.
Quanto à influência global do Médio Oriente no mercado de recursos energéticos, cerca de 48% das reservas de petróleo mundial estão naquela região, em apenas 3,4% da superfície terrestre, o que se traduz na cobiça internacional e procura contínua de influenciar e negociar com, ou intimidar e atacar países como a Arábia Saudita (17%), o Irão (9%), ou o Iraque (8,5%). Estes interesses estão sem dúvida na origem da orientação da política externa de sucessivas administrações dos EUA, mas até que ponto se poderão ignorar as graves deficiências a nível de direitos humanos da Arábia Saudita – tomando o exemplo excepcional do bloqueio das armas de 2018 –, a sua participação em guerras e ataques indiscriminados a civis com armas americanas, ou o seu envolvimento em actividade terrorista, desde o Afeganistão, à Jordânia, Síria e Iémen? Em 2015, Hillary Clinton e John Podesta chegaram mesmo a comentar o seu apoio financeiro ao ISIS e outros grupos extremistas.
“O apoio total da América ao sionismo e contra os árabes torna extremamente difícil para nós continuarmos a fornecer petróleo aos Estados Unidos, ou mesmo permanecermos amigos dos Estados Unidos.”
Faisal bin Abdulaziz Al Saud, 1973
Tanto Israel, como a Arábia Saudita, foram os grandes aliados dos EUA no Médio Oriente nos últimos 70 anos. No entanto, apesar da recente aproximação dos países do Golfo ao primeiro e de um inimigo comum, a relação entre estes dois aliados continua a ser de grande tensão, sobretudo devido à causa palestiniana, religião e interesses políticos dominantes na religião. Os EUA também alteraram parcialmente a sua relação de dependência com a Arábia Saudita na última década e o mundo está a mover-se lentamente em direção às fontes de energia renováveis, o que pode significar a longo prazo um peso ainda maior no apoio dos EUA a Israel e uma significativa redução da influência saudita na região, se estes não encontrarem uma alternativa forte para a sua estratégia actual. Talvez essa procura da independência energética, em conjunto com uma maior aproximação cultural pelo intercâmbio universitário e uma maior preocupação internacional com o financiamento de extremismo, sirva para reavaliar o polémico “casamento conveniente” aqui em análise e a influência do petróleo e armas na política externa de ambos os países.
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