Bielorrússia na encruzilhada Este-Oeste

A Bielorrússia é um País que, apesar de pequeno em termos populacionais e económicos, tem no contexto geopolítico atual europeu um peso subliminar bastante grande. A Ucrânia e a Bielorrússia são países que estão numa encruzilhada geográfica porque ambos tem fronteira direta com a Rússia e com a União Europeia e NATO. No caso da segunda a situação torna-se ainda mais periclitante devido ao “Suwalki Gap”.

O “Suwalki Gap” tem vários pontos que fazem dele uma verdadeira Termópilas na configuração geopolítica da Europa moderna. A configuração geográfica desta região é favorável a incursões militares, com elevações mínimas e sem obstáculos naturais. Tem uma densidade populacional relativamente reduzida e dispersa. É alvo de atenções Russas e da NATO porque separa o Oblast de Kaliningrado (Rússia) da Bielorrússia, o que impede a circulação terrestre, e ao mesmo tempo une a Polónia aos aliados do mar Báltico Estónia, Letónia e Lituânia. O “Suwalki Gap” é também o único ponto de acesso à grande planície Europeia do Leste, que fica assim virtualmente “desprotegido” do ponto de vista Russo. Isto faz da Bielorrússia um Gate Keeper para os Russos ao mesmo tempo que cria uma Buffer Zone entre a Polónia e Moscovo. Este é o motivo pelo qual a Rússia tem tanto interesse em manter sob a sua esfera de influência este País, juntamente com a Ucrânia, pois estes constituem um primeiro círculo de proteção para uma Rússia exposta e fragilizada. 

A Bielorrússia não é um país com uma longa história de independência. A primeira vez que os Bielorussos viram o seu país independente e autónomo foi no ano de 1918, mas essa independência durou cerca de um ano e rapidamente o país foi absorvido pela esfera Soviética. É considerado um exemplo de república soviética e ainda hoje conserva muitos traços da RSSB que a precedeu. A 27 de Julho de 1990 a RSSB declarou-se independente da URSS e entrou num ciclo que antevia uma viragem de paradigma para o oeste. Declarou-se como um estado não nuclear e neutro, posição que tentou impingir aos seus “vizinhos” ex-soviéticos, tentando estabelecer uma zona livre de alianças e acordos de segurança com o intuito de não inflamar a região, onde o confronto e a discórdia são recorrentes. Nesta fase inicial houve um debate sobre a segurança que tinha dois, e apenas dois, pontos de vista. O primeiro alinhava o País à Rússia e a sua esfera de influência e o segundo procurava uma posição neutral. O debate cessa por completo em 1994 com as últimas eleições livres, em que Lukashenko é eleito. É neste momento em que o alinhamento pró-russo começa de uma forma mais exacerbada. Em resultado destas eleições há um referendo, em 1996, que possibilita a alteração da constituição de 1994 e que dá há possibilidade de Lukashenko seguir com a presidência sem termo de mandatos. Estes acontecimentos tiveram como consequência um afastamento radical por parte da UE, que suspendeu as relações Bilaterais e congelou todos os programas de ajuda excetuando a ajuda Humanitária e os Direitos Humanos. 1999 foi o ano em que a Europa começou a sua aproximação levantando algumas das sanções e tentando celebrar alguns acordos. Em 2001 a UE continuou a sua pressão através da voz de Christopher Patton, encorajando mudanças na máquina de estado e nos processos eleitorais, dizendo inclusive que se essas mudanças não fossem tidas em consideração e consumadas a EU não podia comprometer-se em estreitar laços económicos e de ajuda. De facto avistaram-se algumas tentativas de reforma que foram pouco frutíferas e muito pouco convincentes, resultando numa não aproximação. Mas em contra partida não houve um afastamento. Aquando destas políticas, a UE não deixou outra hipótese à Bielorrússia que não a de procurar apoio na Rússia.

As relações com a Rússia, em contrapartida, são, a todos os níveis, bastante profundas e de dependência nalgumas áreas. Desde há duas décadas que a Bielorrússia tem beneficiado de avultados apoios Russos, que possibilitaram a continuação do autoritarismo sem ter que sofrer com as privações das sanções da EU.  Enquanto a Bielorrússia faz parte de apenas um acordo coletivo que envolve a EU que é o “EaP” Eastern Partnernship, e que tem uma matriz meramente económica, tem três acordos multilaterais com a Rússia e países do antigo bloco Soviético. Existe uma proximidade cultural grande com a Rússia em costumes, língua, cultura e história. Aproximadamente 70 % da população fala russo no quotidiano, existindo inclusive problemas no seio de algumas instituições estatais, nomeadamente forças armadas, porque há, nalguns casos, preferência por russo como língua corrente. Há duas bases militares Russas em território Bielorrusso apesar de não terem atividade operacional. Existem acordos de uniformização de armamento, em especial armamento anti-aéreo, entre todas as ex-repúblicas soviéticas presentes no Colective Security Treaty Organization.

O plano económico torna o panorama muito mais negro, pois a dependência económica para com a Rússia é enorme. Pode dizer-se que existe um género de autoritarismo económico por parte da Rússia sobre a Bielorrússia, fazendo uso da enorme dependência energética e da necessidade de acesso a mercados e a crédito desta última. As importações de crude e gás natural são feitas exclusivamente à Rússia, e aproximadamente metade do volume total das transações comerciais são com a economia russa. A Rússia esta presente em aproximadamente 70% do crédito concedido à Bielorrússia de uma maneira direta ou indireta, e em todos os acordos multilaterais de que a Bielorrússia faz parte, a Rússia esta presente como o país que detém o poder de decisão. No jogo de xadrez Europeu, a vizinha Bielorússia não é mais que um peão para cobrir o rei moscovita que precisa, literalmente, de margem de manobra. Moscovo não pode dar-se ao luxo de perder um aliado numa posição geográfica com tanto relevo. Há porem algum sentimento agridoce a brotar desde 2014.

Os movimentos políticos de Minsk são cíclicos e, é claro, tanto para a Rússia como para a UE, que eles são feitos de maneira a obter ajudas, acordos, empréstimos e acessos que de outra forma estariam vedados. Moscovo tem sistematicamente “comprado” o amor a Minsk, garantindo que todas as necessidades são supridas, e desta maneira tem mantido o aliado alinhado em termos políticos. Mas desde 2014 que relação entre Putin e Lukashenko tem tido episódios mais atribulados. Tudo começa no facto de a Bielorrússia não reconhecer a Abecásia, a Ossétia do Sul e a Crimeia como pertencentes à federação Russa. Há também algumas reservas por parte de Minsk porque esta sempre procurou neutralidade e concertação e ficou claro que Putin não as procura, no mínimo da mesma maneira. Os episódios de taxação e de proibição de importação de produtos Bielorussos em 2009, a “guerra do leite”, em 2017 o fecho e controlo de fronteiras de uma maneira unilateral por parte da Rússia em resposta a uma política de vistos turísticos mais inclusiva para com a EU, a ênfase de Minsk na procura de diálogo entre Este e Oeste na resolução da situação Ucraniana, entre outros episódios, tem deixado ambos os lados desconfortáveis.

Apesar desta dependência enorme em relação a Russia, Lukashenko foi tentado usar da arte da negociação para tentar manter algum nível de independência, se bem que há uma presença enorme de “Soft Power” Russo em território Bielorrusso. À parte da dependência energética, da presença esmagadora da economia Russa e dos múltiplos acordos de segurança e cooperação, ainda existe um controlo avassalador dos media Bielorrussos por parte de Moscovo. Aproximadamente 65% dos canais de comunicação social tem influência direta, ou são controlados por agentes Russos, e a Igreja ortodoxa Bielorrussa esta subordinada à Igreja Russa.

Apesar de existir uma grande revolta popular para com o atual regime Bielorrusso e de as Presidências de 9 Agosto de 2020 não terem sido aceites pela comunidade internacional de uma maneira unânime, é impossível negar a influência Russa em Minsk e no País. Ursula von der Leyen reafirmou o apoio à população Biolorrussa assegurando apoio às vitimas da repressão estatal, aos media independentes e a sociedade civil e à atual situação pandémica que o mundo atravessa. A Presidente do conselho Europeu condenou os atos de fraude nas presidenciais, acabando por não reconhecer as mesmas, e disse também que a EU se vai empenhar em sancionar os responsáveis pelo atentado que é o roubo do direito ao voto e ao direito de manifestação.

A principal questão passa por saber se Misnk vai conseguir ordem interna e ao mesmo tempo procurar alguma emancipação do poder russo. Não é previsível que Putin deixe que os desígnios de um País tão importante para a segurança nacional Russa sejam conduzidos sem que ele tenha uma palavra a dizer. Existem grandes possibilidades de infiltração e manipulação em cargos públicos ou com grande influência junto da sociedade civil. Mesmo que a população Bielorrussa se consiga livrar de Lukashenko, a dependência, proximidade e relação com Moscovo deverá ser, por enquanto, demasiado grande para que o País se possa reconduzir para a Europa.              

1 comentário a "Bielorrússia na encruzilhada Este-Oeste"

  1. Um artigo atual, fundamentado e que ajuda a perceber o valor da Bielorrússia para a Russia. Esclarece ainda a dependência que existe da Bielorrússia de forma clara e elucidativa. Uma conclusão simples e objetiva que deixa claro o que se pode esperar no futuro do pais.

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