The Accidental Superpower

O sistema de Bretton Woods, que concretizou aquilo que também foi intitulado de Pax Americana, continua a guiar-nos ao que ainda hoje conhecemos como sendo o sistema internacional, herdeiro do pós-Segunda Guerra Mundial, mas poderá estar perto do colapso. Os Estados Unidos entraram numa dinâmica isolacionista que os coloca à beira de abandonar a sua posição enquanto líderes mundiais, levantando muitas questões sobre qual será o futuro do sistema internacional.
Peter Zeihan, estratega geopolítico, apresenta-nos em Accidental Superpower, através de análises geográficas, demográficas, energéticas, políticas, tecnológicas e de segurança, o porquê de os EUA se estarem a afastar do sistema internacional e a optar pelo isolacionismo. Inicialmente, será natural pensarmos que é mais um livro com uma visão norte-americanista, demonstrando o quão incríveis são os EUA. Mas gradualmente nos apercebemos que não é disso que se trata.
A estrutura do livro divide-se em duas partes, começando com a explicação de pontos chave, sobre como a geografia e o paradigma tecnológico dão azo à formação de nações e à criação de identidades, tornando no ponto de partida para o que conhecemos hoje, focando-se inicialmente na civilização do antigo Egipto e o seu sistema ribeirinho interno, e em como o Império Otomano quase se tornou um império mundial, não fosse a introdução de navegação em águas profundas revolucionar a geoestratégia e trazer à tona a globalização e os impérios coloniais. É na segunda parte que o foco muda para os EUA e a importância que a marinha americana tem no comércio global.
O argumento assenta na condição geográfica, demográfica e energética dos EUA, e em como estas são as principais causas que levaram à hegemonia americana na esfera mundial. Com o aproximar da reforma dos baby-boomers, grande parte dos Estados irão entrar num colapso demográfico com a diminuição da quantidade de trabalhadores contribuintes, algo que, argumenta o autor, não irá acontecer com os EUA, uma vez que a pirâmide populacional ainda tem uma grande base de jovens trabalhadores. O mesmo não se pode dizer da Europa, China, Rússia ou Japão. As questões energéticas também são fundamentais, visto que o interesse dos EUA no Médio Oriente entra em declínio com a progressiva conquista de independência energética, fruto da revolução do shale, sendo que desde a publicação do livro já se concretizou, algo que o autor profetizava. Mas fundamentalmente, a queda da União Soviética fez com que os EUA não tivessem mais de “comprar” uma aliança com base em valores democráticos e no livre comércio, e de garantir a segurança de navegação assumindo os custos de tal (os números do orçamento militar americano falam por si).
A ordem liberal mundial pode estar a chegar ao fim, e enquanto estudantes de Relações Internacionais teremos a oportunidade de “ver” de perto, possivelmente, umas das mais marcantes mudanças do sistema internacional.
Disunited Nations

Partindo da premissa que tinha deixado em Accidental Superpower, Peter Zeihan apresenta-nos Disunited Nations com a alteração da ordem em que os diferentes Estados entram num modo de actuação mais Realista, ou “quando as potências decidem que estão melhor competindo do que cooperando”. No rescaldo do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, o terrorismo transnacional levou os EUA a enfrentar um novo inimigo para o qual esperava contar com a aliança que toma forma na NATO. Nos anos subsequentes a aliança não se mobilizou, e os EUA foram assumindo gradualmente uma posição de desinteresse na ordem por eles criada, uma tendência que já vinha em curso na administração Obama, mas que Trump, no seu estilo próprio, verbalizou mais veementemente.
Disunited Nations é um exercício de futurologia, seguindo uma estrutura similar ao seu primeiro livro e atualizando o mesmo, com os desenvolvimentos de que hoje temos conhecimento. A primeira parte do livro debruça-se sobre como os EUA alcançaram a hegemonia mundial e como a construção do sistema de Bretton Woods foi uma espécie de “suborno” para combater a URSS; na segunda parte, o livro analisa mais a fundo quem serão os vencedores e perdedores da nova ordem mundial, o que necessitariam e que argumentos têm para vingar no novo contexto. Alguns dos nomes que surgem poder-nos-ão surpreender, e outros já começaram a trabalhar activamente para assumir o seu lugar. Zeihan afirma que os EUA se irão manter numa posição privilegiada, mesmo que com percalços pelo caminho e sem assumir um papel de liderança.
Muitos processos estão a desenrolar-se e, provavelmente, nesta década ou na próxima, poderemos ver a queda do sistema herdeiro de Bretton Woods, não esquecendo que poderão acontecer coisas que poderão acelerar este processo – quando questionado sobre as suas previsões, Zeihan afirma-se ele próprio como surpreendido, por não esperar que tantas delas se materializassem tão rapidamente. Curiosamente, um dos possíveis aceleradores destes processos indicados no livro é a ocorrência de uma pandemia. A presciência da análise de Zeihan dá-nos muito que pensar.
Faça o primeiro comentário a "Duas Sugestões de Leitura em Geopolítica: Peter Zeihan"