Reflexões sobre o futuro do JCPOA e os factores que o determinarão

Maria Bondareva é aluna do Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo (MGIMO) e realizou o Programa Erasmus no ISCSP.

Este ano celebra-se o quinto aniversário do Plano de Ação Conjunto Global, ou seja, o acordo nuclear, assinado em 2015 por EUA, Rússia, China, Irão, Alemanha, Reino Unido e França com a intenção de conter o programa nuclear do Irão. Mas o estado actual do acordo causa imensas preocupações à comunidade internacional, levando a acreditar que este aniversário poderá tornar-se na sua morte.

Depois da renúncia unilateral do acordo pelos EUA em 2018 e de várias levas de sanções contra o Irão, o país recusou cumprir as suas obrigações sob o tratado e logo aumentou o nível do enriquecimento de urânio para 4,5% (com o nível previsto pelo Plano de Ação Conjunto Global nos 3,67%) e ameaça a seguir incrementando este nível até 20%, que já permite atingir muito rapidamente o nível de 90%, e que, por sua vez, é suficiente para produzir uma arma nuclear. O Irão também renovou os trabalhos da instalação nuclear de Fordow, que deveria ser usada apenas para fins pacíficos nos termos do acordo de 2015. Os dois países estiveram à beira de um conflito físico no início deste ano, quando Qasem Soleimani, o major-general iraniano da Guarda Revolucionária Islâmica foi morto no Iraque num ataque aéreo dos Estados Unidos. Outro passo no caminho para agravação do conflito ocorreu no início do Julho, quando uma série de explosões sucedeu na infraestrutura nuclear do Irão, a mais notável e destrutiva delas sendo em Natanz, onde se situa a planta de centrifugadoras avançadas e a instalação de enriquecimento de urânio mais sensível do país. A responsabilidade pelo sucedido foi atribuída aos EUA e a Israel, que já cometeram ataques cibernéticos com o vírus Stuxnet aos mesmos objetos em anos anteriores.

Então, este confronto entre os EUA e o Irão está a escalar cada vez mais, e consequentemente o futuro do acordo nuclear é ambíguo. Por isso, este artigo tem por objetivo esclarecer os factores determinantes para a sobrevivência do Plano de Ação Conjunto Global e analisar como este se poderá manter em vigor.

O maior obstáculo são as intenções dos EUA de prolongar o embargo de armas contra o Irão, que expira em Outubro deste ano de acordo com os termos do tratado nuclear. Este embargo implica proibição de venda, fornecimento e transferência para o Irão de armas e materiais relacionados sem a permissão do Conselho de Segurança da ONU, que nunca foi dada devido às objeções por parte dos EUA. Para conseguir a renovação do embargo, os EUA têm dois cenários a desenrolar. O primeiro é mais tradicional e menos contraditório: a aprovação da resolução que prevê prolongar o embargo de armas no Conselho de Segurança. Um projeto de tal resolução já foi apresentado ao Conselho de Segurança pelos EUA no final do Junho. Para ser aprovada, uma resolução deve receber 9 votos a favor, inclusive os 5 votos concordantes dos membros permanentes do Conselho de Segurança. A Rússia e a China, considerados os principais parceiros do Irão no domínio de exportação de armamento, já exprimiram o seu descontentamento profundo com a resolução norte-americana. Os três países europeus fundadores do acordo nuclear, que tradicionalmente cedem à pressão dos EUA na sua política externa, inclinam-se para suportar esta resolução, embora os mesmos condenem a retirada dos EUA do JCPOA.

Se a resolução falhar (o que é muito provável), os EUA pretendem lançar o chamado snapback mechanism, que foi mencionado na resolução 2231 e no texto do Plano de Ação Conjunto Global na parte da resolução de disputas. Este mecanismo implica a renovação de todas as sanções contra o Irão se algum membro do acordo nuclear questionar o cumprimento de obrigações por parte de Irão e inicia a votação para manter o status quo do regime. Neste caso, a Rússia e a China não gozam de direito a veto, pelo contrário, são os EUA que poderiam bloquear o status quo apenas com o seu voto e assim renovar as sanções e prolongar o embargo de armas. Mas o que faz este cenário mais controverso é que os EUA, pelo seu próprio desejo já não são o membro do Plano de Ação Conjunto Global depois da sua renúncia do acordo em 2018. Ainda assim os EUA encontraram uma lacuna legal nesta situação bem complicada: sendo o membro das Nações Unidas o país continua ser “membro” do acordo nuclear no contexto da resolução 2231, que foi adoptada por ocasião da celebração do JCPOA. E até se os EUA mesmos não quiserem activar o snapback mechanism para evitar a condenação da comunidade internacional e do Irão em particular, os norte-americanos podem fazer com que outro estado (provavelmente um dos três estados europeus) o faça. Neste caso, o êxito dos EUA depende totalmente da vontade dos seus parceiros europeus de se envolverem neste jogo político, talvez sacrificando a posição respeitada na cena internacional de um ator independente e influente.

Outro factor que é considerado determinante para o futuro do acordo nuclear é o resultado das eleições presidenciais nos EUA, que decorrerão em Novembro de 2020. Na corrida para a presidência, Joe Biden e Donald Trump são os principais rivais. Muitos depositam esperanças em Joe Biden, crendo que os EUA voltarão ao JCPOA se ele for eleito Presidente do país. Talvez a origem destas esperanças tenha algo a ver com o facto de que Joe Biden foi o vice-presidente na presidência de Barack Obama, notável pelos seus esforços para melhorar as relações com o Irão, e sobretudo pela assinatura do JCPOA.

De facto, no seu programa eleitoral, o candidato do partido democrata apenas afirma a importância do alívio das tensões persistentes entre os dois países. Quanto às condições nas quais Biden considera o retorno dos EUA ao acordo nuclear, encontramos a mesma posição defendida por Trump há 2 anos: se o Irão voltar a cumprir todas as restrições de acordo com o JCPOA, os norte-americanos podem renovar a sua participação no acordo. Na verdade, o novo presidente, quem quer que seja, não será capaz de mudar da linha política do país por completo, porque tal acção simbolizaria o caráter defeituoso do governo prévio, que teria “tomado decisões erradas”. Escusado será dizer que para os EUA o prestígio do estado e os interesses nacionais são sempre da maior relevância. Além disso, não é de admirar que muitas vezes as promessas dadas durante a campanha eleitoral desapareçam sem deixar rasto assim que as eleições acabam. 

Mais um factor destacado que determinará em grande parte o destino do JCPOA é a situação interna no Irão. Parece que alguns passos dos EUA visam provocar uma resposta violenta, uma espécie de retaliação, que contribuirá para a escalada das tensões e até poderá causar o derrubamento do regime incumbente no Irão. Entre tais passos estão, além de aparentes medidas como sanções anti-iranianas, a sabotagem da infraestrutura nuclear do Irão e o seu timing em particular, e também a apresentação pelos EUA da resolução supracitada. Ficou claro desde o início que a Rússia e a China não suportarão a resolução de prolongar o embargo de armas. Porém este facto não impediu os EUA de propor tal resolução, que talvez por isso constitua apenas uma provocação. Então, derrubar o regime no Irão revela-se um dos fins da política norte-americana face ao país. Mas como será o regime iraniano que substituirá o actual é uma grande questão, porque de momento, o Presidente iraniano é moderado e reformista. Ao mesmo tempo os hardliners estão a integrar a liderança política do Irão, já se tendo apoderando de dois ramos do poder: o parlamento e o supremo tribunal. Se esta tendência se acentuar, o Irão tornar-se-á num perigo real para todo o mundo. Já se verificam algumas manifestações da postura dura do país: o Presidente iraniano falou com os media sobre as medidas retaliatórias por parte do Irão, entre quais se encontram a renúncia do JCPOA, seguida pela retirada do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e limitação das inspeções da IAEA no Irão. Todos estes passos sem dúvida minariam o regime global de não-proliferação e do controlo de armas, que foi construído pouco a pouco por gerações numerosas de diplomatas e cientistas.

Em suma, citando a descrição do estado actual do JCPOA, dada por André Baklitskiy, especialista russo no programa nuclear do Irão, “o acordo nuclear está em sobreposição” (termo da física que descreve um objeto que em dois estados contrários ao mesmo tempo). Por um lado, o JCPOA foi violado pelos EUA tal como pelo Irão, e existem vários factores que determinam o seu desvanecimento inevitável. Mas por outro, o acordo nuclear ainda funciona, ainda está vivo apesar de todos os obstáculos e circunstâncias extraordinárias, o que leva a crer na possibilidade da preservação deste produto dos esforços conjuntos dos países-fundadores do JCPOA.

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